Tania Regina Fraga da Silva
Título:
Simulações Estereoscópicas Interativas
Títle:
Interactive Stereoscopic Simulations
Considerações iniciais Initial Considerations |
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Meu encontro com a semiótica, deu-se no doutorado e marcou uma transição muito importante. Aprendi a falar da multiplicidade que aqui descrevo. Pude compreender me melhor e entender que alguns aspectos do que chamava de intuição poderiam ser melhor compreendidos se entendidos como signos que se estruturam em linguagens: semiótica dos animais, das plantas, das máquinas, dos sonhos … O universo ganhou novo sentido. Foi uma descoberta e uma aventura. Minha tese teve três aspectos principais: o fazer expresso como produção artística de imagens estereoscópicas apresentadas em estereoscópios diversos. Os objetos interativos (interações em tempo real) precisavam de óculos especiais LCD e um supercomputador para serem apreciados. Portanto, precisei realizar vídeos para mostrá-los no CD-ROM; esses resultados foram mostrados numa exposição no Museu da Imagem e Som de São Paulo, MIS; o texto aqui anexado fazia parte de um CD-ROM (foi a primeira tese realizada em CD-ROM no Brasil). Nesta midia, os textos e imagens eram tecidos e se apresentavam em formato hipermidiático. Para aqueles que se dispuserem a ler o texto anexado abaixo é preciso entender que ele era todo tecido na apresentação hipermidiática. Por exemplo, quando a palavra ‘simulação’ aparecia em destaque no texto ao se passar o mouse sobre ela o ponteiro do mouse mudava de forma e o sistema buscava no texto geral uma definição dessa palavra e que era apresentado num outro campo na tela. No texto anexado aqui esses hiperlinks aparecem com um destaque ‘zz’. Esse é um modo facilitador para realizar as procuras automáticas sem ter que escrever toda a palavra que se procura. Até hoje é possível rodá-la num PC. No entanto, aprendi no processo a desconfiar dos programas proprietários. Ela foi escrita usando a linguagem OpenScript do software ToolBook e necessito de autorização para rodar os botões da versão cujo runtime usei na época. Esses botões do programa, que usei em vez de criá-los eu mesma, hoje aparecem de outra maneira e não com a qualidade visual que gostaria. Na época, início da década de 90, não ousei intitulá-la ‘Realidades Virtuais’ pois esse era um conceito que começava a se desenvolver. Chamei-a de ‘Simulações Estereoscópicas Interativas’. Como tenho todos os scripts textuais usados, estou renderizando alguns como pares estereoscópicos animados mas não interativos para colocá-los como videos no YouTube para poderem ser visualizados em celulares com óculos de Realidade Virtual. Os programas interativos escritos na linguagem YODL também são textuais mas demandam a interface Powerflip da Silicon Graphics para serem vistos com óculos de cristal líquido. Um dia, talvez, os recrie em outra linguagem mais atual.
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My encounter with semiotics, happened during my doctorate and marked a very important transition. I learned to speak of the multiplicity I describe here. I could understand myself better and understand that some aspects of what I used to call intuition could be better comprehended if understood as signs that are structured in languages: semiotics of animals, plants, machines, dreams... After this the universe has gained new meaning. It was a discovery and an adventure. My thesis had three main aspects: the act of making things expressed as artistic production with stereoscopic images presented in various types of stereoscopes. The interactive objects (real-time interactions) needed special LCD glasses and a supercomputer to be appreciated. Therefore, I needed to make videos to show them on the CD-ROM; these results were shown in an exhibition at the São Paulo Image and Sound Museum, MIS; the text attached here was part of a CD-ROM (it was the first thesis made on CD-ROM in Brazil). In this media, the texts and images were woven and presented in hypermedia format. For those who are willing to read the text attached bellow (sorry it is still in Portuguese) one must understand that it was all weaved as a fabric in the hypermedia presentation. For example, when the word 'simulation' appeared prominently in the text by moving the mouse over it the mouse pointer changed its shape and the system searched the text for the definition of that word and displayed it in another field on the screen. In the attached text these hyperlinks appear with a highlight 'zz'. This is a way to facilitate automatic searches without having to type the entire word one is looking for. It is possible to run it on a PC even today. However, I learned in the process to be wary of proprietary programs. It was written using the OpenScript language of the ToolBook software and I need permission to run the buttons for the version of the runtime version I used at the time. These buttons of the program, which I used instead of creating them myself, today appear in a different way and not with the visual quality that I would like. At the time, beginning of the 90's, I did not dare call it 'Virtual Realities' because this was a concept that was beginning to be developed. I called it 'Interactive Stereoscopic Simulations'. Since I have all the textual scripts I used, I am rendering some of them as stereoscopic animations (not interactive stereoscopic pairs) to put them as videos on YouTube, so they can be viewed on phones with Virtual Reality goggles. The interactive programs were written in the YODL language and are also textual. They require the interface Powerflip from Silicon Graphics to be viewed with liquid crystal glasses. One day, perhaps, I will recreate them in a more recent language. |
Tania Regina Fraga da Silva
Título:
Simulações Estereoscópicas
Interativas
Doutorado:
Comunicação e Semiótica
PUC-SP
1995
Tese apresentada como exigência parcial para obtenção do título de doutor em Comunicação e Semiótica, à banca examinadora da PUC-SP, sob orientação do professor doutor Arlindo Machado.
Orientador:
Professor Arlindo Machado
"A aventura é sempre e em todos os lugares, uma passagem pelo véu que separa o conhecido do desconhecido; as forças que vigiam no limiar são perigosas e lidar com elas envolve riscos; e no entanto, todos os que tenham competência e coragem verão o perigo desaparecer."
Joseph Campbell
1949
Banca Examinadora:
Professora Doutora Ana Claudia Mei Alves de Oliveira
Professor Doutor Arlindo Machado Neto
Professor Doutor Geraldo Serra
Professora Doutora Maria Lúcia Santaella
Professor Doutor Silvio Sawaia
Para Pedro e Vera
Introdução
Apresentação
Percursos
Fundamentos Teóricos
Simulações Estereoscópicas Interativas
Visão Binocular
Comentários
Bibliografia
OBSERVAÇÃO INICIAL
Este documento escrito é uma compilação dos diversos textos que compõem o documento hipermidiático. Este último foi organizado para ser lido de modo não linear e juntamente com as imagens que foram produzidas no decorrer da pesquisa e que estão integradas ao texto.
Os comentários e as observações entre parêntesis, iniciadas pelo código zz no documento escrito, são acessadas durante a leitura do documento hipermidiático por meio dos botões ou palavras chaves ("hotwords"). Os botões são compostos por círculos concêntricos que se situam no lado esquerdo dos campos de texto na tela. As "hotwords" estão grifadas e escritas em letras maiúsculas e são destacadas do texto através da mudança da forma do cursor para um retângulo vazado. As imagens, os vídeos e as animações são representados por círculos cinzentos. Estes círculos estão colocados no lado esquerdo do campo de texto na tela e não são representados no documento escrito.
Os demais comandos necessários à leitura do documento hipermidiático aparecem na barra inferior da tela sempre que o ponteiro do "mouse" sai do campo do texto ou da imagem. A função de cada botão, nessa barra de comandos, aparece escrita no canto superior esquerdo da barra, sempre que o ponteiro do "mouse" encontra-se sobre um botão específico.
RESUMO
Este documento resulta de uma experiência prática de criação de simulações computacionais de objetos tridimensionais virtuais e interativos que podem ser visualizados em profundidade através de instrumentos e artefatos estereoscópicos. Durante essa experiência foram criados objetos pré-computados, imóveis e animados, e objetos potenciais com os quais os usuários podem interagir.
Os resultados do trabalho são mostrados de diversos modos, entre eles:
1. CDROM considerado o suporte mais adequado para a apresentação de um trabalho produzido por meio de computador, já que permite uma leitura não linear;
2. Transposição do trabalho para a rede multimedia WWW ou W3 (WorldWideWeb) na INTERNET, através do nó localizado no Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP (endereços eletrônicos:http://www.lsi.usp.br/lsi/art/art.html ou http://www.lsi.usp.br/~tania/p0.html);
Paralelamente foram estudados diferentes tipos de suportes para a exibição dos resultados da pesquisa em exposições convencionais, seja como vídeos ou "livros" impressos, seja como instalações tridimensionais com prismas, estereoscópios de espelho ou de lentes, ou ainda como montagem de projeções de "slides", utilizando filtros de polarização e óculos polarizadores.
A maioria das simulações criadas durante o presente trabalho possuem a característica de serem interativas, tanto para seu criador, como para o usuário que as manipulará. Ao serem apresentadas ao usuário através de instrumentos estereoscópicos, as simulações transportam o usuário para o espaço tridimensional do objeto. As simulações caracterizam-se pois como fenômenos mentais perceptivos, expressos através de um repertório visual que configura campos experimentais para as atividades da imaginação.
Considero que uma das tarefas do artista do futuro é o desenvimento de estratégias criativas para o mundo computacional simulado. Entrar dentro do trabalho do artista é uma nova forma de intercambiar idéias, de conhecer, de aprender e de criar. O usuário passa de observador a co-criador das imagens que existem como entidades dinâmicas em constante metamorfose, solicitando desse observador uma intensa atividade perceptiva.
INTRODUÇÃO
Esta tese propõe a elaboração de um repertório visual poético utilizando computação gráfica e estabelece maneiras diferentes para apresentá-lo ao público. Assim os suportes utilizados evoluiram desde os mais convencionais até aqueles que possibilitam a participação ativa e a imersão parcial dos indivíduos com e nos objetos criados. Permitem outrossim, aos usuários, até mesmo dar continuidade à criação de novos objetos, no futuro, tomando o repertório criado como repositório de signos a germinar e a proliferar.
A procura dos suportes adequados foi um dos temas paralelos a este trabalho. Embora o objetivo da tese não fosse a pesquisa dos novos suportes, apresentar seus resultados de modo anacrônico não condizia com seu caráter contemporâneo.
A tese é decorrência de uma experiência prática de criação de simulações computacionais de objetos tridimensionais virtuais e interativos. A tridimensionalidade desses objetos é percebida por meio de instrumentos e artefatos estereoscópicos (1). No decorrer da experiência, foram criados objetos pré-computados, imóveis e animados, e objetos potenciais.
A denominação objetos pré-computados foi dada a todos os objetos virtuais previamente computados e finalizados que não podem ser manipulados pelos usuários. A denominação objetos potenciais refere-se a arquivos descritivos textuais, denominados "scripts", que são acessados através de uma interface gráfica e que se apresentam como entidades tridimensionais com as quais o usuário pode interagir. Esses "scripts" constituem num ponto de partida detonador de um processo: a criação de uma obra de arte em permanente transformação e evolução. Desse modo, conjuntos de leis proposicionais pré-determinados, foram colocados à disposição dos usuários, para que estes possam compartilhar da aventura, mutacional e interminável da própria criação dos objetos.
As animações e imagens imóveis foram criadas em estações de trabalho HP, SUN e PC 486DX, utilizando o programa de domínio público denominado RAYSHADE. Este programa permite a construção de objetos tridimensionais através da utilização de operações booleanas com sólidos (2). Ele emprega o algoritmo de "ray tracing" (3) para determinação da visibilidade e da aparência final das superfícies das cenas tridimensionais sintetizadas.
As tarefas de conversão entre diversos formatos e o redimensionamento das imagens foram realizadas com os programas XV e PHOTOSTYLER.
O documento em CD-ROM visa mostrar o processo que aconteceu durante o trabalho de produção dos objetos. Ele foi montado utilizando o programa TOOLBOOK que permite articular os textos, os sons e as imagens, aproximando o leitor do processo de criação do repertório. Nele são mostrados os objetos pré-computados (imóveis e animados) assim como algumas sequências de vídeo mostrando resultados de interação em tempo real (4) entre usuários e alguns dos objetos potenciais criados.
Os objetos potencialmente interativos, mostrados neste documento necessitam de processamento de alto desempenho para sua simulação. O algoritmo utilizado para determinar, em tempo real, a visibilidade e a aparência final das superfícies dos objetos produz resultados menos complexos que aqueles dos objetos pré-computados. Por esse motivo, são eles menos ricos em variações nos gradientes de sombreamento das superfícies. Tais objetos foram criados utilizando aplicativos e interfaces desenvolvidos pela Silicon Graphics (SGI) (5).
Os aplicativos e interfaces utilizados permitem a manipulação e a transformação dos arquivos denominados neste documento objetos potenciais. Estes arquivos estão disponíveis na rede W3 (6), podendo ser copiados, através da interface de navegação hipertextual denominada MOSAIC (7), em qualquer estação de trabalho da Silicon Graphics (SGI) conectada na rede INTERNET. Por ser uma rede internacional de comunicação e serviços que se espalha pelo planeta e interliga bibliotecas, universidades e empresas diversas, a INTERNET torna-se o "espaço" ideal para a veiculação do repertório criado.
Os usuários da INTERNET que tenham acesso a um terminal de computador da Silicon Graphics (SGI) podem copiar os "scripts" criados (8), com eles interagir e modifica-los. Aqueles usuários que disponham de óculos adequados (9) poderão, também, ver os objetos em profundidade. Os "scripts" poderão até mesmo ser modificados pelos receptores e subseqüentemente devolvidos ao diretório de origem, na rede, onde continuarão disponíveis para posteriores alterações por outros usuários. Poderão assim transformar-se numa obra interminável com inúmeros autores. Conceitos como os de autoria precisarão ser repensados.
A capacidade humana de inventar formas decorre do aprendizado de conhecimentos adquiridos no exercício das tecnologias preexistentes. Através da experimentação emergem novas possibilidades de invenção, de descoberta e de exercitação da sensibilidade. Tais possibilidades resgatam e recuperam o ideário e o repertório visual humano num novo contexto, através do processo de reelaboração sucessiva das idéias, dos conceitos e das formas, permitindo a elaboração de novos repertórios sígnicos.
No presente trabalho, o repertório criado procura instigar as mentes aventureiras a experimentar novos conjuntos de combinações, a desvelar novas morfologias e a elaborar novos repertórios poéticos. Novas fronteiras configuram-se para aqueles indivíduos que se sintam atraidos para a mudança, para o aprendizado e para a renovação. Assim, essas fronteiras continuam evoluindo sempre, num processo constante, em direção à uma meta idealizada de avanço do conhecimento humano.
APRESENTAÇÃO
HISTÓRICO DO PROJETO DE PESQUISA:
O plano de pesquisa, norteador dos trabalhos experimentais desenvolvidos ao longo do período de doutoramento, foi elaborado a partir de pesquisas realizadas no Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília (UnB), com recursos da própria UnB e com auxílio- pesquisa fornecido pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Em seu primeiro estágio foram realizados projetos de ambientes escultóricos para serem construídos em espaços públicos abertos de grandes dimensões. Os ambientes foram estudados para serem construídos com módulos serialmente reproduzíveis e que produziriam sons através da ação do vento. Estes módulos foram inicialmente inspirados nas ocarinas e apitos pré-colombianos, embora tenha-os realizado em maiores dimensões. Realizei-os como protótipos, concebendo-os para serem reproduzidos industrialmente através de processos industriais de seriação.
Inúmeros protótipos de módulos foram sendo criados paralelamente aos projetos e às maquetes dos ambientes. Neles foram estudadas diversas embocaduras para a produção de sons pela ação do vento. Durante este período as limitações formais, impostas pelos processos industriais existentes, explicitaram-se. Tais limitações tornaram-se ainda mais relevantes frente à liberdade formal com que elaborava, naquela ocasião, os protótipos dos módulos sonorizados pelo vento.
Nesta etapa da pesquisa surgiu a oportunidade de começar a trabalhar com computação gráfica, utilizando um programa para processamento de sólidos (PROGRAF) numa estação de trabalho computadorizada.
O primeiro contato que tive com os computadores deu-se na década de 70, ainda como estudante de arquitetura, atraída pelas possibilidades conceituais que o meio parecia oferecer. Naquele período existiam, aqui no Brasil, apenas computadores do tipo "mainframe", usando cartões perfurados para entrada dos dados. Estes dados eram então manipulados por programas escritos em linguagem Fortran ou Cobol. O resultado desse processamento era finalmente impresso utilizando impressoras matriciais, só então possibilitando a visualização dos resultados obtidos.
Nesta época cheguei mesmo a estabelecer os passos lógicos para a feitura de um meta-projeto arquitetônico. As relações de conectividade entre os diversos espaços foram determinadas a partir de uma matriz de prioridades definida pelo programa arquitetônico. Tal matriz permitiu elaborar um grafo linear (10). Este foi transformado posteriormente num grafo planar topológico (11), que forneceu a melhor organização possível dos espaços estudados em função da matriz de prioridades previamente definida. As operações de transformação entre os grafos foram realizadas manualmente, mas todo o raciocínio lógico foi estruturado para ser processado no computador. A idéia básica era provar que o processo projetivo arquitetônico, em seu aspecto funcional, poderia ser resolvido com ajuda da máquina, deixando o arquiteto mais livre para explorar os aspectos formais e simbólicos dos espaços projetados.
Durante a realização do mestrado tentei novamente utilizar o computador. Pela segunda vez defrontei-me com a frustração de analisar manualmente uma série de plantas urbanas, após ter estabelecido, passo a passo, todo o raciocínio lógico necessário para a realização da sua análise pelo computador.
Quando finalmente surgiu a oportunidade de trabalhar com micro computador, em 1987, a idéia inicial foi utiliza-lo para simular os projetos dos ambientes citados acima, de uma maneira mais livre e flexível. As primeiras simulações, portanto, foram simulações de esculturas ou de ambientes escultóricos.
À medida que o trabalho foi desenvolvendo-se comecei a perceber que havia nesta nova mídia um enorme potencial para a criação de espaços tridimensionais não necessariamente materializáveis. As simulações foram perdendo lentamente sua referência ao mundo fenomenal, passando a configurar um mundo puramente virtual. Libertos das restrições impostas pela matéria os objetos tridimensionais passaram a ser concebidos como entidades luminosas a flutuar, soltos, num espaço sem gravidade.
A partir de então descortinei um novo horizonte de possibilidades, mais amplo do que aquele originalmente imaginado. Percebí que podia gerar formas, explorar espaços e criar realidades tridimensionais coerentes e consistentes, mas impossíveis de existirem no mundo fenomenal. Tornou-se evidente a possibilidade e até mesmo a necessidade do desenvolvimento de novos repertórios tridimensionais. Tal desafio para a imaginação tem ajudado a enfrentar as dificuldades teóricas com que me defronto face ao conhecimento fragmentado que possuo na área da computação gráfica e também por não dominar uma linguagem de programação.
Tenho procurado, entretanto, compreender os conceitos matemáticos assim como os algoritmos de computação gráfica e de animação por computador que considero os mais importantes. (zz Animação assistida por computador ("computer animation") é o processo de criar conjuntos de imagens que simulam movimento através de processos computacionais, sendo que o contrôle do som e do movimento estão cada vez mais automatizados. zz ver (THAL90a), (THAL90b), (THAL91) e (VINC92)) A seguir aplico-os no campo que conheço, para com eles trabalhar de forma bastante livre. Criar formas tridimensionais, experimentando com conceitos como espaço, tempo e gravidade era possível, antigamente, apenas usando a imaginação, ou então através do processo tedioso, moroso e incompleto de feitura manual de perspectivas desses espaços. Tais possibilidades projetuais podem agora sair do mundo da imaginação, sendo objetivadas em algo que existe virtualmente, que pode mesmo ser vivenciado e sentido sensorialmente, e em cuja virtualidade podemos imergir e interagir.
Com o decorrer do tempo comecei a estabelecer um repertório tridimensional expressivo próprio. Denomino repertório ao conjunto de todas as possíveis escolhas que estabeleço no decorrer do trabalho de criação dos objetos simulados. Considero parte desse repertório todo o conjunto de formas e de procedimentos que utilizo e transformo constantemente. Nesse repertório busco os objetos que vou combinar e as relações que vou estabelecer quando os seleciono e os articulo, criando com eles novas entidades visuais.
Durante o processo de criação acontecem encadeamentos probabilísticos e aleatórios de idéias visuais. Este desencadear de idéias possibilita a tomada de consciência dos eventos sincronísticos que então ocorrem, levando ao desenvolvimento associativo, exponencial, de gamas possíveis de resultados.
Estes resultados, juntamente com uma breve reflexão teórica sobre a experiência prática realizada, são apresentados neste documento, em exposições artísticas e no mundo virtual da informação na rede W3, conforme descrevi anteriormente. Este documento foi organizado em tópicos que se interconectam e que são listados a seguir:
INTRODUÇÃO: Este é o tópico através do qual o leitor entra neste documento. É conhecimento corrente, no meio dos cientistas da computação, que o melhor modo de aprender a programar e a interagir com os computadores é jogando. Em minha opinião brincar é mais criativo, por isso optei por lançar o leitor randomicamente nas telas deste documento. Tenho observado, também, que o primeiro ato das pessoas, com um livro que contenha imagens, é o de folheá-lo aleatoriamente. Assim a introdução permite um primeiro contato lúdico com a interface criada. Os aprofundamentos surgem subseqüentemente, através dos sucessivos e diversos percursos de leitura que podem se estabelecer entre os diversos tópicos.
É necessário lembrar que, embora os computadores possam ser instrumentos de ampliação do processo de pensar, eles podem, também, constituir-se em instrumentos restritivos desse processo. Este fato, muitas vezes, fica encoberto pela agilidade, pela rapidez e pela facilidade na organização das tarefas que eles propiciam.
O usuário é liberado das tarefas repetitivas e rotineiras, podendo dedicar-se às tarefas mais criativas. Entretanto utilizar esta liberdade é uma opção do usuário. Opção esta que exige dele um esforço mental e um questionamento constantes, pois produzir imagens ficou muito fácil. Para fugir da banalidade, dos clichês, do desejo de mostrar em uma única imagem ou em alguns segundos de animação, ou até mesmo em um documento como este, todos os efeitos que os programas propiciam, sem critérios de composição e sem consistência, é preciso, muitas vezes, uma grande determinação e auto crítica.
Foge dos objetivos do trabalho o aprofundamento destas questões, mas é preciso pelo menos explícita-las, já que elas sempre estiveram presentes nas escolhas realizadas. Portanto, ao colocar o usuário, desde o inicio do documento, para vivenciar conceitos como acaso e ordem, escolha livre e escolha pré estabelecida, orientação e desorientação, pretendeu-se, também, confrontá-lo ludicamente com alguns dos dilemas e perplexidades com que se defronta o artista frente ao computador, durante seu processo criativo.
Assim, neste tópico do documento, as telas de texto procuraram fazer sentido em si mesmas. Por este motivo, elas repetem, algumas vezes, alguns conceitos podendo parecer repetitivas quando lidas seqüencialmente. Neste tópico encontram-se também quase todas as imagens disponíveis no documento, que, por não ocuparem espaço relevante em disco, foram duplicadas permitindo maior rapidez de leitura.
APRESENTAÇÃO: Neste tópico é relatado um breve histórico do projeto de pesquisa e é descrito como os seus resultados são apresentados utilizando suportes eletrônicos e suportes fixos mais convencionais.
PERCURSOS: Aqui são mostrados alguns percursos com a produção artística realizada, intercalando premissas conceituais com as imagens produzidas.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS: Neste tópico elabora-se uma base teórica utilizando-se conceitos oriundos dos campos, artístico e científico, que embasaram o trabalho. As reflexões e os estudos realizados, concomitantemente ao processo de produção das simulações, permitiram a reoperação de certos conceitos emergidos neste século, no campo das artes visuais por um lado e no campo da física e geometria por outro. As diretrizes inicialmente estabelecidas, que nortearam o processo de produção das simulações, foram sucessivamente reelaboradas no decorrer desse mesmo processo.
O intuito da reflexão teórica foi compreender os papéis dos distintos modelos de reflexão inerentes ao contexto peculiar de cada um dos campos do conhecimento estudados para, conseqüentemente, ampliar e detectar possíveis convergências entre áreas tão diversas. Ao reoperar certos conceitos e ao estabelecer as premissas básicas que pautaram a produção, visei ter um fio condutor que permitisse realimentar continuamente o processo de experimentação de modo a, paulatinamente, diluir limites e expandir fronteiras sem perder-me num labirinto de possibilidades.
SIMULAÇÕES ESTEREOSCÓPICAS INTERATIVAS: Aqui são discutidos os conceitos de simulação, de estereoscopia, de interatividade, de imersão e suas aplicações no trabalho artístico.
VISÃO BINOCULAR: Neste tópico, traça-se o perfil histórico da evolução conceitual do fenômeno da estereoscopia, aprofundando o entendimento do fenômeno psico-fisiológico que propicia a percepção da profundidade dos objetos tridimensionais e sumariando alguns aspectos fundamentais dos algoritmos que possibilitam a realização de simulações estereoscópicas computacionais.
COMENTÁRIOS: Aqui são relacionadas as referências utilizadas nos textos e que são acessadas em cada tela, paralelamente à leitura dos mesmos.
BIBLIOGRAFIA: Neste tópico encontra-se a bibliografia geral e a bibliografia utilizada nas diferentes referências intercaladas no texto.
AGRADECIMENTOS: Neste tópico estão referenciadas as inúmeras pessoas, instituições e empresas que possibilitaram a realização, tanto do trabalho artístico criado, como deste documento.
Este documento é apresentado ao leitor em forma hipermidiática (12), permitindo-lhe aprofundar conceitos e acessar a produção visual criada na forma de imagens bidimensionais de objetos tridimensionais, conjuntos de pares estéreoscópicos (13), imagens anaglíficas (14), animações e fragmentos de vídeo, mostrando resultados de interações em tempo real. Como foi explicitado anteriormente, aqueles usuários que possuírem acesso à uma estação de trabalho SGI, poderão interagir com os objetos criados, vê-los em profundidade se possuírem os óculos adequados e modificar os seus "scripts" se assim o desejarem.
O REPERTÓRIO VISUAL CRIADO E OS SUPORTES USADOS PARA MOSTRÁ-LO
Os pares de imagens estereoscópicas de um objeto simulado "desloca" o observador para o espaço tridimensional do objeto. Esse espaço caracteriza-se como realidade ilusória, possível apenas como fenômeno sensorial. Esse fenômeno, quando expresso num repertório visual, configura campos experimentais para as atividades criativas.
As simulações de objetos tridimensionais criam situações peculiares nas quais os objetos virtuais criados são puramente ilusórios e eminentemente interativos, tanto para seu criador como para o usuário que os manipulará.
Para preservar estas características dos objetos simulados foi preciso estudar diversos tipos de suportes e escolher aqueles que se mostrassem adequados à obtenção dos resultados desejados e que são listados a seguir:
1. Suportes eletrônicos:
Foram estudados meios eletrônicos para o arquivamento e o acesso ao trabalho por meio de computadores e vídeo:
1.1. Documentação em CD-ROM para acesso através de computadores pessoais tipo PC;
Este modo de arquivamento adequa-se à apresentação do trabalho, pois permite leituras não lineares dos textos e das imagens que o compõem. Não possibilita, entretanto, a interação em tempo real dos usuários com os objetos criados (15);
1.2. Espaço na rede multimedia W3 ou WWW (WorldWideWeb) (16), acessada pela interface gráfica amigável MOSAIC (17), através de terminais de computadores conectados com a INTERNET.
Essa interface gráfica facilita a comunicação das informações realizadas com textos, imagens, sons, animações e vídeos, oferecendo aos usuários recursos de "hypermedia" (18). Ela permite a colocação do trabalho à disposição dos usuários da INTERNET, permitindo-lhes o acesso ao sumário dos textos, às imagens imóveis e animadas e a manipulação e transformação dos objetos potenciais interativos.
O trabalho pode ser acessado através do nó localizado no Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (19) nos endereços eletrônicos seguintes:
http://www.lsi.usp.br/lsi/art/art.html
ou
http://www.lsi.usp.br/~tania/p0.html;
1.3. Vídeos documentais, no formato SVHS e VHS, mostrando sequências de interação em tempo real entre usuários e os objetos criados;
1.4. A montagem de projeção em telão das imagens manipuladas, em tempo real, utilizando filtros de polarização e óculos polarizadores; (20)
2. Suportes fixos:
Foram estudados, paralelamente, diferentes tipos de suportes para a exibição dos resultados do trabalho em exposições convencionais:
2.1. Os suportes bidimensionais, impressos ou fotográficos, embora anacrônicos, documentam etapas do processo de criação das simulações. As imagens impressas serão montadas como "livros" que poderão ser manuseados, entre eles um livro com imagens anaglíficas (21);
2.2. A montagem de instalações tridimensionais com estereoscópios de espelho (22), de lentes (23) e prismas para a visualização dos pares de imagens fixas;
2.3. A montagem de projeção de "slides" utilizando filtros de polarização e óculos polarizadores (24).
PERCURSOS
A simulação estereoscópica dos objetos criados propiciou, no decorrer da experiência prática, a vivência sensorial da tridimensionalidade dos mesmos, possibilitando a transformação do "visível virtual" num "visível para nós". (zz M. Merleau-Ponty ver (MERL75), pg. 282 e 294).
O processo de criação das formas, realizado durante este trabalho, caracterizou-se pelos encadeamentos probabilísticos e aleatórios de idéias visuais que durante ele aconteceram.
Chamo-os encadeamentos probabilísticos porque resultaram, tanto de escolhas racionais, como da sua sujeição às leis reguladoras da percepção humana; aleatórios porque as escolhas realizadas decorreram de processos de associação de idéias que emergiram por intuição. Entende-se por intuição a habilidade de detectar conexões não inferidas, aparentemente, de nenhuma outra premissa previamente existente, conexões essas que se apresentam como sensação ou como idéia concreta inteligível.
Já a percepção do espaço tridimensional, das cores e das formas é entendida como constructo inteligente que resulta do aglutinamento de diversos fatores. Entre eles estão os fatores congenitamente herdados, acrescidos do conhecimento aprendido durante o contato do indivíduo com o meio e adicionados a fatores inconscientes cujos mecanismos não são ainda muito conhecidos. Nos seres humanos estes constructos inteligentes são constantemente reelaborados pelos indivíduos através da imaginação.
No processo de criação dos objetos simulados, o pensamento abstrato organizou-se de modo sincronístico. As conexões acausais que emergiram por intuição foram constantemente analisadas e transformadas em ação. Os encadeamentos originados nesse processo possibilitaram a tomada de consciência dos eventos sincronísticos que durante ele ocorreram. A exploração dos resultados desses encadeamentos permitiu o desenvolvimento exponencial de formas que foram subseqüentemente metamorfoseadas. A concepção dos objetos combina o raciocínio rigoroso e disciplinado com a emoção livre e indisciplinada, expressa, às vezes, através do uso exuberante das formas e das cores.
O raciocínio tridimensional resultou da constelação de qualidades sensoriais, afetivas, racionais e intuitivas. Congregou e articulou tais qualidades através da ação formadora, criando realidades sensíveis que denominei de campos de acontecimentos. Tais campos de acontecimentos não podem ser caracterizados como pintura, escultura, instalação ou performance. Outras categorias precisam ser elaboradas. Por este motivo chamo-os de simulações estereoscópicas interativas.
Picasso dizia achar as formas com as quais trabalhava sem precisar procurá-las. De modo análogo quando antevejo formas a explorar, busco desvelá-las, indo sempre um pouco mais além daquilo que conheço. No entanto, por trabalhar com instrumentos e ferramentas computacionais, deparei com um universo incomensurável de probabilidades formais. Por isto, senti a necessidade de definir limites orientadores das estratégias criativas que utilizo. Estes limites constelam-se, diluem-se, dilatam-se, sendo sempre recolocados. São fronteiras flexíveis que referenciam a ação no meio da complexidade.
Além disso, quando as possibilidades de escolha criam número excessivo de conjuntos combinatórios, considero ser preciso selecionar algumas destas possibilidades como ponto de partida. Esta escolha é apenas estratégica, pois restringir a incorporação de certas características seria restringir a tão prezada liberdade. As opções que considero inadequadas num dado momento criativo não são nunca totalmente descartadas, pois podem adequar-se, no futuro, a outras situações. O processo experimental ocorre, entretanto, sempre dentro das possibilidades dos programas utilizados.
Estabeleci, a partir dessas constatações, algumas premissas para direcionar a ação e sobre elas realizei as simulações. Suas funções preliminares foram as de delimitar, sem restringir, um conjunto de conceitos e procedimentos que possibilitassem o desenvolvimento do trabalho. Elas visaram orientar a ação criadora e atuaram como fator de coerência durante o processo criativo.
A escolha dessas premissas partiu de empatias com posturas preconizadas por alguns artistas, pensadores e cientistas. Elas foram inicialmente delineadas, enriqueceram-se, refinaram-se através de sucessivas aproximações, sendo reelaboradas e transformadas no decorrer do processo de criação. Assim, foi atingido o objetivo principal da tese, inicialmente formulado: o de permitir ao público imergir parcialmente nos objetos criados e com eles interagir. O fruidor sai, portanto, de sua posição passiva, de mero observador, para tornar-se co-autor do trabalho realizado.
As premissas selecionadas foram as seguintes:
A oposição entre a simplicidade na concepção das formas e a complexidade visual dos resultados obtidos;
O contraste entre o aspecto eminentemente físico e sensorial da forma do objeto tridimensional e a imaterialidade de sua simulação;
O contraste entre a suavidade das superfícies reversas e a força das superfícies planas;
O contraste entre as áreas de penumbra e de luz;
O não estabelecimento de um sistema de leitura visual dos espaços direcionando o olhar do usuário;
A ampliação e invenção de repertórios visuais poéticos como matéria prima para a imaginação, elaborando simulações matemáticas de realidades prováveis e improváveis;
A utilização do processo de experimentação com formas e com cores, para explorar as novas possibilidades abertas pela tecnologia computacional, tendo no computador um instrumento de trabalho e de ampliação cognitiva;
A aceitação da subjetividade presente nas escolhas realizadas e a busca de equilibrar subjetividade e objetividade no decorrer do processo;
A elaboração de um campo experimental propício ao resgate de sensações, abrindo novas fronteiras perceptivas e expressivas, visando explorar inauditas realidades;
A utilização das simulações para a criação de representações e ilusões; não as ilusões e as representações miméticas do real, expressas em imagens bidimensionais e que procuram reproduzi-lo fielmente; mas sim ilusões intangíveis que se apresentam na mente quando esta é confrontada com os fenômenos perceptivos que viabilizam a simulação tridimensional de outras realidades, possibilitando nelas imergir total ou parcialmente.
Ao apreender os fenômenos ilusórios simulados surpreendemo-nos com a magia por eles apresentada. Essa magia é decorrente do fato deles não corresponderem à nossa experiência cotidiana das leis mecânicas e gravitacionais, atuantes no mundo físico.
Paralelamente à escolha dessas premissas conceituais, selecionei modos diferentes para compor os objetos simulados. Estes modos basearam-se em conjuntos de formas básicas tridimensionais, em conjuntos de princípios geradores de algumas superfícies topológicas e em conjuntos de séries numéricas. Cada um desses conjuntos foram usados nos procedimentos elaborados. Eles ofereceram apenas os elementos norteadores da atividade projetiva. Os objetos finais simulados resultaram de escolhas preliminarmente esboçadas, que foram enriquecidas por alterações decorrentes das conexões sincrônicas que se constelaram durante o processo de criação.
As formas tridimensionais básicas empregadas foram os toróides, pirâmides, prismas, cilindros, cones e superfícies formadas por "NURBS" (25).
Os princípios geradores das superfícies topológicas foram os seguintes:
a não orientabilidade e impressão de unicidade de superfícies como na fita de Möebius e nos toroides de Esker;
A beleza resultante do simples movimento periódico de uma reta no interior de um cilindro como no conóide de Plücker;
A harmonia da variação exponencial contrapontística de anéis fazendo emergir singularidades matemáticas (26);
A inexistência de espaço interior e exterior em objetos tridimensionais como o "Cross-Cap";
A complexidade e riqueza decorrentes de pequenas variações de formas semelhantes como na curva de Knoch.
As séries numéricas utilizadas foram, principalmente, as séries de Fibonacci (27). Utilizei-as para estabelecer as diretrizes dos objetos tridimensionais criados. Geratrizes (28) diferentes, percorrendo diretrizes semelhantes, dão origem a objetos totalmente diferentes uns dos outros. Estes objetos guardam entre si uma mesma impressão de unidade. Unidade esta que se encontra nas relações que são estabelecidas a priori e não necessariamente na aparência final do objeto obtido.
As premissas conceituais junto com os modos composicionais selecionados permitiram a elaboração do repertório visual mostrado neste documento.
Paralelamente a essas premissas e esses modos composicionais experimento constantemente diferentes tipos e cores de luzes e diferentes características das superfícies dos objetos. Nos objetos interativos é o usuário que realiza estas escolhas. A experimentação com as cores juntamente com a definição das formas e o brincar com os números estabelecem um processo particular de interação com os objetos que crio. A rapidez com que tal interação acontece nos sistemas computacionais com processamento de alto desempenho (29) permite-me ampliar, aprender e refinar o repertório poético criado. Isto caracteriza as aventuras do experimentar com conceitos, com sensações, com idéias e com imagens durante o processo criativo.
A criação do repertório juntamente com o processo vivencial de tais aventuras assumiu quatro vertentes principais:
1. A apreensão pela consciência dos conteúdos inconscientes que afloraram em sonhos, meditações e imaginações ativas (zz "Imaginação ativa" é uma técnica desenvolvida por C. G. Jung que permite o estabelecimento de uma interface de contato com a mente subconsciente, possibilitando trazer para o nível consciente parte do farto material mitopoético que lá estava latente e que pode ser posteriormente reelaborado e transformado.) e a amplificação desse processo através da concentração da atenção nos fenômenos sincronísticos que ocorreram durante o processo de criação. Geralmente os conteúdos inconscientes apreendidos possibilitaram a compreensão e a visualização imediata da idéia como um todo (zz ver (PENR93), pg.490 à 496), ficando a elaboração de seus múltiplos significados para serem tratados posteriormente através da reflexão;
2. A organização lógica das idéias visuais apreendidas de modo a adequá-las aos programas e aplicativos computacionais. Parafrasendo Waldemar Cordeiro considero esta etapa como uma "aventura da razão";
3. A experimentação sensorial com os objetos resultantes, deixando emergir novos conjuntos de possibilidades projetuais a serem reoperados, etapa que considero como uma aventura sensorial;
4. A escolha de determinadas configurações, entre as muitas experimentadas, como sendo os objetos potenciais que serão colocados à disposição dos usuários que poderão, tanto interagir com os objetos, como alterá-los, vivenciando sua própria aventura pessoal.
Constato que existe nos indivíduos a tendência a pensar que as formas geométricas são frias e que expressam uma realidade ideal e perfeita, muito distante da imperfeição humana. As séries de trabalhos com toros e "NURBS" procuram abalar tal crença. Nestas séries, os toros e "NURBS" torcem-se, interceptam-se ou unem-se com outras formas geométricas, desvelando possibilidades sensuais, às vezes até mesmo provocativas. Alguns possuem forte apelo táctil, pedindo para serem tocados, mas sua existência só é possível no espaço imaterial, sem gravidade, onde flutuam.
Os objetos delimitam ambientes virtuais nos quais o espaço interno dos objetos mescla-se com o seu espaço externo formando um espaço negativo contínuo. Esse espaço negativo muitas vezes catalisa sua força visual, permitindo a configuração de esgarçadas estruturas etéreas que flutuam no espaço intemporal e vazio.
Em muitos objetos, o interior e o exterior podem ser apreendidos como um contínuo no qual se entra por um lado, emergindo-se no outro lado em seu exterior.
As formas ora enrolam-se como caracóis sinuosos, ora interconectam-se em nós que desvelam aspectos intrincados e diferentes perspectivas a cada nova posição do observador. Os caracóis, embora sejam animais pouco desenvolvidos, representam o princípio vital do crescimento e da expansão. São como que experimentos da natureza que possibilitam o crescimento ilimitado. O mesmo princípio parece estar presente na organização das galáxias. Similarmente muitas das simulações caracterizam-se como estruturas compostas por anéis intrincados que se desenrolam em espirais e hélices, em diferentes direções, explorando o espaço.
Tais objetos procuraram criar no usuário a sensação de unidade, latente mesmo na multiplicidade fragmentada e discreta. Tal continuidade se encontra na ordem subjacente à organização dos princípios norteadores da composição.
O emaranhado de certas formas desaparece quando elas são vistas estereoscopicamente. Os anéis aparentemente entrelaçados dançam no espaço, tocando-se muitas vezes apenas em poucos pontos.
A vitalidade de alguns objetos foi encontrada na tensão existente entre a forma delicada dos anéis que flutuam, tecendo o espaço desses objetos, e a força caótica e agressiva do adensamento dos anéis.
Em outros objetos, os anéis rotacionam sobre si mesmos enquanto percorrem suas trajetórias, criando estruturas que lembram as redes espaciais cristalinas.
Alguns objetos apresentam uma grande estabilidade visual, qualquer que seja a sua posição. A reta implícita em seu aro central parece estabelecer um contraponto com as pontas que flutuam em harmônicas variações, evocando sensações de serenidade e paz. Em contraposição, muitos deles remetem à sensações de não permanência e instabilidade. São como superfícies ondulantes, solidificadas, que capturaram a fragilidade de um instante de tempo.
Os exemplos aqui mostrados apenas documentam o trabalho experimental realizado. São fragmentos dos incontáveis resultados possíveis de serem obtidos através da manipulação, interativa ou não, dos arquivos criados. Estes arquivos constituem um acervo de "scripts" que podem ser processados e que deram e dão origem às simulações. O conjunto dessas simulações é denominado aqui de repertório visual poético.
Este repertório, tanto em sua concepção como nos resultados obtidos, entrelaçou categorias que se situam nos níveis do racional, do sensível, do afetivo, do intuitivo e do transcendente: racional pois o raciocínio lógico e o analógico exerceram o controle consciente do processo de elaboração dos objetos; sensível pois esses objetos criam no usuário sensações; afetivo porque as sensações produzidas induzem avaliações valorativas; intuitivo porque, durante a concepção dos objetos, utilizou-se as conexões acausais e sincrônicas que então emergiram; transcendentes pois o repertório procura levar os usuários a vivenciarem sensações decorrentes de conceitos abstratos como paz, harmonia, unidade e liberdade.
No trabalho experimental, portanto, são criadas situações visuais que convidam o indivíduo a mergulhar nos objetos simulados. Os indivíduos são confrontados com sua própria perplexidade e incitados a explorar novas realidades ilusórias, treinando sua sensibilidade e exercitando sua liberdade.
As simulações estereoscópicas dos objetos criados colocam os indivíduos frente a fenômenos paradoxais. Elas apresentam-se como estruturas imateriais luminosas intangíveis.
Constata-se que as simulações podem ser experimentadas e propiciam vivências sensoriais, mas não podem jamais ser construídas como objetos materiais. Tal forma de existência é impossível, para a maioria delas, pois os elementos que as compõem não se estruturariam quando submetidos à atração da gravidade. Nosso sistema cognitivo reconhece a impossibilidade dessa existência material, mas percebe suas formas como estruturas delimitadoras de um espaço.
As representações dos objetos criados violam, aparentemente, as leis da física. A experiência conhecida, ao ser confrontada com o resultado do comportamento esperado das forças mecânicas e gravitacionais, desperta nosso interesse, inquieta-nos e deleita-nos. A experiência vivenciada suspende momentaneamente a descrença da razão, intrigando a mente com a intangibilidade de sua existência. Assim o prazer visual sentido alterna-se com a frustração de não podermos nunca materializar os objetos virtuais simulados.
Transformados em impressões gráficas ou fotográficas esses objetos perdem seu encanto, tornando-se apenas fragmentos documentais das realidades que foram concebidas para existir como pura virtualidade.
É fascinante o fato de se poder exercitar mecanismos transformadores em contraposição a uma sociedade saturada com informação, textos, imagens, sons e dados. Os "mundos" simulados oferecem desafios aos sentidos. Eles ampliam e refinam nossa capacidade sensorial de perceber formas, cores e texturas. Eles multiplicam e ultrapassam as possibilidades existentes em qualquer oficina experimental de vivenciar, contínua e incessantemente, um enorme conjunto de sutis variações visuais. Eles sacodem nossa realidade, geralmente embotada pela rotina do cotidiano, desvelando outras realidades que se nos apresentam.
O trabalho em seu conjunto pode ser encarado como uma metáfora sensorial das flutuações que ocorrem na mente quando nos encontramos num nível esvaziado de consciência. Podemos mover os objetos, atravessá-los e percebe-los em sua profundidade. Tal fenômeno assemelha-se com o que acontece quando tentamos apreender uma sensação fugidia que nos escapa e se esfacela em diferentes impressões.
Não tenho intenção alguma de estabelecer um sistema de leitura visual dos espaços para direcionar o olhar do fruidor. Crio apenas um apelo para o mergulho no interior luminoso dos objetos onde seu interior e seu exterior não mais se excluem, mas participam de uma mesma totalidade.
O conjunto dos objetos que compõem o repertório são realidades poéticas, que permitem explorar fronteiras, onde as trocas se permeiam, onde o lógico e o analógico se completam na tentativa de tomar consciência do próprio ato de perceber, de pensar, de sentir e de criar enquanto se processam. Tais espaços onde múltiplas perspectivas podem ser criadas abrem infinitas possibilidades para a exploração de novas sensações visuais, ampliando a sensibilidade e o repertório formal daqueles que com eles interagem. Funcionam como "testes de laboratório" para os signos criados, recombinando-os e testando-os.
A distinção entre a simulação e a realidade fenomenal pode e deve ser intensificada pelo trabalho artístico. Abrir a brecha entre os fenômenos físicos e os virtuais é uma das tarefas do artista do futuro. Ao destacar a imaterialidade das simulações, ao expressar sua intangibilidade, ao desenvolver estratégias criativas para explorar novas situações no mundo simulado, o artista poderá produzir sensações e experiências muito diferentes das sentidas pelo fruidor no mundo que chamamos real.
Por outro lado, o artista, no seu processo criativo, relaciona-se com dados numéricos, com funções, com relações e com operações lógicas. Concebe e elabora modelos flexíveis de realidades. Sua "matéria prima" é abstrata: são números e leis conceituais baseados em interpretações simplificadas das leis físicas, que permitem dar forma às simulações, por meio da criação de modelos. A concepção desses modelos conceituais modifica-se e evolui. Tal transformação ocorre à medida que eles se ajustam aos resultados do aprendizado, que por sua vez decorre da experimentação e da manipulação com os parâmetros e as instruções dos modelos.
As simulações de objetos tridimensionais criam situações propícias à experimentação. Elas constituem espaços virtuais puramente ilusórios: um universo perceptivo topológico, adimensional, imaterial e atemporal; um universo que existe em estado potencial em arquivos armazenados no computador. Tais fatos caracterizam-nas como eminentemente metamorfoseáveis e interativas, tanto para o seu criador, como para o usuário que as manipulará.
Através da apresentação de pares estereoscópicos ou binoculares, por meio de instrumentos e artefatos adequados, os indivíduos são "transportados" para o espaço tridimensional do objeto. Sem o enquadramento aprisionante do papel ou do quadro bidimensional, os pares de imagens são percebidos como entidades tridimensionais, assumindo características de objetos espaciais.
Entrar dentro do trabalho do artista é uma nova forma de experiência. É um novo modo de intercambiar sensações, de conhecer, de aprender e de criar. O compartilhamento de sensações decorrente desse tipo de interação colaborará, talvez, para a amplificação de aspectos potenciais da inteligência humana, possibilitando o acesso a outras modalidades de consciência.
Levar o usuário a participar do trabalho do artista tem sido um dos objetivos dos movimentos artísticos da segunda metade deste século. No entanto, fazer dele um co-criador, alguém que compartilha intensamente do prazer e responsabilidade de perceber, de criar, de tomar decisões e de escolher, são atitudes experimentais que podem ser intensificadas no mundo virtual das simulações interativas. Temos, portanto, um "lugar da sensação e da imaginação", onde podemos experimentar com o espaço e com o tempo.
A interatividade enriquece a relação do indivíduo com a máquina, permitindo-lhe com ela dialogar. Permite-lhe também exercitar sua habilidade seletora, sua criatividade, sua capacidade de tomar decisões e de estabelecer conexões entre fatos diversos.
As imagens simuladas existem como entidades dinâmicas em constante metamorfose e transformação. Solicitam a atenção do usuário, exigindo a concentração da sua atenção através de intensa atividade perceptiva.
As novas condições tecnológicas estão caminhando, cada vez mais, para o desenvolvimento de uma dinâmica perceptiva baseada no prazer da manipulação de formas, utilizando para isso o tato, a visão e a audição.
Compreender, apreciar, interferir e transformar conjuntos de fatos virtuais múltiplos com o maior número possível de sentidos exigirá, talvez, o desenvolvimento de novos paradigmas perceptivos e novos padrões de sensibilidade.
Imergir e interagir, mesmo que parcialmente, com os objetos tridimensionais, virtuais e ilusórios é entrar num mundo de formas, de cores, de sons e de movimentos. É participar de um organizar, de um desorganizar, de um reorganizar e de um transformar poético desses objetos, vivenciando suas infindáveis e imprevisíveis possibilidades.
O modo de pensar, de perceber, de sentir e de atuar do fruidor que vivencia tais espaços e do artista que os cria, mudará? Sua sensibilidade será afetada? Será tal processo apenas mais um no meio da massificação e banalização da cultura de massas?
Não tenho respostas a estas perguntas. Elas provavelmente dependerão do como a sociedade se apropriará dessas novas tecnologias, do como os indivíduos com elas interagirão e do como poderão a elas ter acesso.
Imerso no campo sensorial pré-definido pelo artista, o indivíduo que o experimenta pode criar novos conjuntos de relações significantes. Ele amplia assim o mundo imaginativo que passa a compartilhar. Tem ele, também, a oportunidade de aumentar o seu acervo visual, de desenvolver e organizar o seu raciocínio lógico e analógico e de exercitar a sua criatividade e a sua sensorialidade. Este indivíduo pode mesmo aumentar o potencial de suas múltiplas inteligências, ampliando a sua consciência sígnica.
Encontramo-nos frente a uma outra realidade, uma realidade em evolução, virtual e ilusória, que nos permite vivenciar sensações com intensidades semelhantes àquelas decorrentes das experiências vividas no mundo fenomenal.
A experiência que é captada diretamente pelos sentidos através das simulações é estranhamente uma experiência conceitual objetivada numa entidade visível e táctil. Pode parecer um paradoxo falar em experiência direta quando tal vivência é intermediada por linguagens computacionais que organizam matematicamente as possibilidades experimentadas. No entanto os resultados visuais produzidos nos transportam para o puro domínio da sensação, para o momento mágico da apreensão de uma qualidade.
Esta nova prática simuladora de objetos virtuais incorpora, portanto, o usuário, que é solicitado a exercer um papel ativo ao experimentar um trabalho que cria objetos programados, possibilitando-lhe experimentar com o acaso e a regra.
O conceito de realidade passa por uma enorme ampliação. Realidade não é apenas aquilo que existe materialmente em nossa volta, mas é tudo que percebemos consciente e inconscientemente. Assim os arquivos computacionais, intermediados por linguagens e traduzidos em imagens num monitor, transformam-se num campo de experimentos sensoriais. Campo no qual pode-se viver ilusões, formular hipóteses visuais, experimentar com tais hipóteses e inferir conjuntos de novas e infindáveis possibilidades de estruturação do espaço tridimensional e o seu acontecer no tempo. Philippe Quéau resume tal concepção com a frase poética: "as máquinas nos condenam à descoberta do novo." (zz ver (QUÉA86): "Les machines nous condamnent à trouver du nouveau", pg. 103)
Oscilar maleavelmente nesse universo flexível de multiplicidades, tomando consciência ora de um fato sensível, ora de outro, coordenando nossos esforços perceptivos em diferentes espaços e tempos, apreendendo e transformando a realidade que se apresenta num devir descontínuo de sensações é o que a imersão no espaço virtual ilusório nos propicia.
Permite-nos participar de um organizar, de um desorganizar, de um reorganizar e de um transformar poético desse espaço, vivenciando suas infindáveis e imprevisíveis possibilidades.
No entanto, não basta o desenvolvimento de uma nova tecnologia, para permitir uma nova forma de fazer sensível e expressivo; mas se olharmos para trás ao longo da história humana constataremos que, geralmente, as tecnologias de produção caracterizaram as civilizações, determinando a estética, o referencial ideológico e o repertório formal e simbólico próprios de cada período.
O conceito de estética aqui empregado é um conceito pierceano: estética "significando sentir", significando o "conhecimento através dos sentidos", significando o saber sensível capaz de contribuir "para o crescimento humano". A estética determina aquilo "que deve ser buscado como ideal mais elevado..., as metas..., os sonhos..., os planos..., que conduzem nossos passos". Cabe a ela "a descoberta sempre inatingível do ideal, summum bonum da vida humana,...aquilo a ser experimentado por si mesmo, em seu próprio valor". (zz ver SANT94), pg. 11, 109, 119, 126 e 130)
Nossa capacidade de inventar formas baseia-se no aprendizado e no conhecimento adquirido através da experiência, sobretudo da experiência com as tecnologias preexistentes. É através da experimentação que poderemos vir a conhecer as novas possibilidades de invenção, de descoberta e de exercitação da sensibilidade, que podem estar latentes nas tecnologias computacionais, mas que ainda não afloraram. Assim, através do processo de reelaboração sucessiva das formas e conceitos, evoluem os repertórios sígnicos.
Partindo desta constatação, utilizei as tecnologias computacionais para a produção e invenção de um repertório visual poético, através da exploração das novas possibilidades morfológicas abertas pelo desenvolvimento da computação gráfica de alto desempenho.
Conceitos detonadores de idéias visuais foram identificados na física e na matemática contemporâneas e foram explorados no decorrer do processo produtivo. Paralelamente, busquei compreender, mesmo que sumariamente, o conjunto conceitual que embasa a ciência deste século. Isto tornou possível, também, entender muitas das pesquisas que eclodiram no campo das artes visuais, cênicas e musicais na segunda metade do mesmo século. Deste amálgama emergiram as entidades tridimensionais que elaborei e que buscam expressar a complexidade do nosso tempo.
Procurei constituir um cadinho fomentador de morfologias tridimensionais, como fonte de sucessivas reelaborações formais. A experimentação com as formas emergentes permitiu a criação de estruturas que constantemente transformo e metamorfoseio. É importante ressaltar que jamais pretendi ilustrar conceitos da física ou da geometria. Utilizei-os, entretanto, sempre livre e criativamente, na elaboração do referido repertório.
Os seres humanos, durante sua evolução, cumulativamente formularam os conceitos, muitas vezes paradoxais, que embasam a ciência contemporânea. Criar novas poéticas visuais a partir de pontos de vista anacrônicos é uma atitude inercial frente aos fenômenos emergentes. É preciso cultivar novos repertórios visuais para aperfeiçoá-los, exercitando as sensações humanas mais sutís, desencadeando impressões e regenerando a sensibilidade.
A função original das antigas mitologias foi colocar o homem em harmonia com o mundo que o cercava. A função das cosmologias (30), hoje, é ampliar a compreensão do universo em relação ao que dele conhecemos agora. Elas procuram nos colocar, assim, em harmonia com esse universo. Dessa harmonia dependerá a expansão holística da consciência humana com o propósito de unir o individual e o universal. Somente libertando as faculdades humanas criativas e resgatando a qualidade de vida no planeta, poderemos assegurar nossa continuidade como espécie.
No presente trabalho o conceito de harmonia que foi utilizado é muito mais do que um conjunto de relações matemáticas que produzem sensações agradáveis: a harmonia é o resultado da tensão existente entre diferentes situações do mundo fenomenal; é o princípio organizador das energias que tudo transformam e que impulsionam o fluxo da vida, "pois o que pára de mudar e de transformar-se decompõe-se e perece" (zz ver (ELIA91), pg. 79); é o conjunto de todas as diferentes relações que possibilitam articular estados heterogêneos em transformação, organizando os fragmentos percebidos numa totalidade em devir permanente; é a expressão de padrões dinâmicos que formam tessituras instáveis, caracterizando as regiões limítrofes entre a ordem o caos.
O artista é aquele que explora, que descobre e que concretiza virtualidades das quais não tem certeza alguma. Visa apenas exercitar sensibilidades, despertar curiosidades e impulsionar ações para si e para os outros.
O artista resgata universos de possibilidades, provocando, no outro, uma qualidade de apreensão de algo, através do ato de admirar. Leva a consciência para um estado de disponibilidade esvaziada de tudo, exceto da pura sensação, resultante do efeito que este algo produziu. Dilui as fronteiras entre a qualidade que se apresenta e a reação que ela produz na mente do indivíduo. (zz ver (SANT94), pg. 139 e Santaella, notas de aula)
A sensação é aqui compreendida como o requisito básico para a apreensão da qualidade de algo que se apresenta na mente, instantaneamente, no momento exato em que esta mente toma consciência desse algo e do efeito por ele produzido.
A semiose é entendida, aqui, no seu sentido pierceano de "ação do signo". É o fio conector que liga todas as coisas no universo: as estrelas, as galáxias, os homens, os animais, as plantas, os minerais, assim como a arte, a ciência e a cultura. É a ação do signo mediada por um ideal, por um propósito ou por uma meta. Meta que, no presente trabalho, nada mais é do que levar os indivíduos a se encontrarem com a pura sensação produzida pela obra, integrando, nesse ato, a razão com o sentir e com o intuir.
As novas fronteiras da atividade artística encontram-se hoje na exploração de simulações ilusórias de realidades imaginadas. Novas realidades podem ser concebidas e experimentadas, contempladas e transformadas. Por sua própria natureza são elas permeáveis à manipulação e à intervenção. Lúcia Santaella diz que a semiose humana caracteriza-se como sendo a nossa vocação para o conhecimento.(zz notas de aula) Precisamos pois desbloquear o caminho para o conhecimento, desbravando as fronteiras do desconhecido.
O indivíduo, nesta experiência, é convidado a participar ativamente da aventura experimental, partilhando as realidades sensoriais, visuais, tácteis e auditivas imaginadas. Isto é, as realidades transformáveis, caracterizadas anteriormente como campos de acontecimentos.
Para o artista, portanto, abre-se um enorme campo, que lhe permitirá estudar e manipular um gigantesco conjunto de possibilidades projetuais. Ao constituir a semente de uma obra interminável, colocando na rede INTERNET um conjunto de arquivos para serem modificados, surge uma perspectiva de amplificação do trabalho. Esta amplificação ocorrerá caso novas morfologias sejam constatadas nos arquivos modificados pelos usuários. Diferentes configurações dos objetos originais poderão então ocorrer. Serão configurações que se encontravam em estado latente nos "scripts" e que não haviam sido exploradas, podendo então emergir.
As alternativas aqui mostradas são apenas algumas dentre as muitas possíveis. O tipo de atitude experimental exigido para explorá-las está no cerne conceitual da arte contemporânea. Este tipo de atitude pode agora objetivar-se plenamente através do contato vivo e dialogante com as formas, os sons, as cores e os movimentos.
Experimentar o espaço tridimensional como virtualidade desvela possibilidades ainda não exploradas. Isto está acontecendo não apenas no campo da arte, mas nas mais diferentes áreas do conhecimento humano. No mundo físico, abrem-se as portas para a conquista do espaço das estrelas e do átomo; por outro lado, no mundo da imaginação são vastas as virtualidades a se construir. No campo artístico novas fronteiras descortinam-se para as mentes aventureiras, instigando-as a experimentar novos conjuntos de combinações, a detectar novas morfologias e a elaborar novos repertórios.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
BASE CONCEITUAL
No decorrer da evolução, o conhecimento de experiências passadas, estampadas de algum modo no sistema nervoso humano somou-se às memórias das percepções prévias armazenadas durante a vida de cada indivíduo. Juntos, o conhecimento herdado, o conhecimento adquirido e a memória integram a capacidade de percepção e de reconhecimento da realidade de cada indivíduo. ( zz ver (ROCK87) e (CAMP93))
Os neuro-fisiologistas denominam os tipos de respostas que os indivíduos apresentam, numa situação peculiar, de padrões "geneticamente programados" e de "programação aprendida", sendo o fator genético "o responsável pela infraestrutura neural capaz de produzir os novos padrões adquiridos". (zz ver (TIMO83), pg. 460)) Estes são denominados "padrões de respostas" e organizam-se em "modalidades cognitivas que exprimem a composição simultânea de vários sinais". (zz ver (TIMO83), pg. 465)) O conjunto desses padrões, congênitos e adquiridos é denominado aqui, genericamente, de matrizes cognitivas ou arquivos da memória.
O desconhecimento das relações entre as matrizes cognitivas com que o mundo é percebido e aquelas que o mundo externo apresenta aos indivíduos caracterizam os enigmas com que nos deparamos ao observar o universo.
É nesse âmbito que o pensamento artístico e as formulações científicas se encontram e podemos dizer se complementam. O primeiro busca ampliar tais enigmas e articula-os no plano do sensível, criando suas próprias realidades; as segundas ampliam o conhecimento analítico através da construção de modelos idealizados da realidade, procurando respostas aos paradoxos que constantemente a elas se apresentam no esforço de confirmação do real.
CONSCIÊNCIA
Antes de se prosseguir com a busca de conexões entre o campo das artes e o das ciências, é preciso conceituar o que se entende aqui por consciência. Ao longo da história humana diversas correntes de pensamento vêm tentando defini-la. As principais áreas do conhecimento que tem abordado a questão situam-se nos campos da filosofia, da psicologia, da neuro-fisiologia e das religiões. (zz ver (LOCK89), (TIMO83), (TIMOsd), (PEIR90) e (RUBIsd))
O fenômeno é muito complexo e sobre ele tem-se produzido vasto material bibliográfico, procurando conceituá-lo ou elucidá-lo. Frente à impossibilidade de tratar o pensamento artístico (zz ver (LAUR91a)) fora dos fenômenos da consciência faz-se necessário abordar este espinhoso assunto. Uma abordagem sucinta corre sempre o risco de parecer superficial, mas é um risco que se precisa correr. O que se pretende é singelamente traçar, em linhas gerais, o que se entende por consciência, modos ou modalidades de consciência, quando estas palavras aparecerem neste documento.
Assim, compreende-se a consciência como sendo o processo através do qual o indivíduo apreende e adquire conhecimento acerca de algo que se passa, ou introspectivamente, no interior de sua mente, ou no mundo que se encontra fora dele e cujos reflexos manifestam-se nessa mesma mente. Esse processo é um processo cognitivo (zz segundo Peirce todos os tipos de consciência entram na cognição, ver (PEIR90), pg. 16 # 379 à 383 e pg. 306, pg. 586)). Ele relaciona-se com o conhecimento das coisas e dos fenômenos a partir de sensações, de percepções, de recordações, de pensamentos e de intuições; e com as atitudes dos indivíduos para com essas mesmas coisas e fenômenos, atitudes estas que serão evidenciadas pelas emoções, pelos sentimentos e pelas volições. Decorre daí que o processo deve-se às inferências complexas e sutis que ocorrem entre os estímulos e os efeitos, caracterizando as evidências e as contingências, diferentemente, em cada contexto.
A consciência recebe e processa as informações através das sensações, intuições, sentimentos e pensamentos. A sensação apresenta-se como a faculdade da consciência através da qual constatamos a existência de algo, diferenciando os fatos interiores dos exteriores; o sentimento como a faculdade que avalia os objetos e as situações com que se defronta a consciência; a intuição (zz Para Peirce a intuição é uma premissa primeira, original, não inferida de nenhuma outra premissa anterior. É a "habilidade da mente" de apanhar conjuntamente "sugestões de sentido" estritas e abrangentes numa forma concreta inteligível (zz ver.(PEIR90), pg. 17) como a faculdade que possibilita o estabelecimento de conexões acausais entre diferentes fatos, objetos e situações, detectando as coincidências expressas por padrões significativos; e o pensamento como a faculdade que interpreta o que foi percebido anteriormente, organizando através da dedução, da indução e da abdução (também denominada processo de inferências) o conhecimento acumulado pelas outras faculdades.
Para Peirce são três as categorias básicas e gerais da consciência (zz ver (PEIR90), pg.14):
Primeiridade caracteriza a consciência passiva da qualidade que se faz presente por meio do sentimento;
Secundidade caracteriza a consciência ativa, binária, que se apresenta como resultado da polaridade inerente à energia;
Terceridade caracteriza a consciência sintética, mediadora, que reúne tempo, sentido de aprendizado e pensamento.
Juntamente com essas categorias Peirce define três elementos como sendo os mais básicos e genéricos que caracterizam a consciência. "Sentimento imediato é a consciência do primeiro; o sentido da polaridade é a consciência do segundo; e consciência sintética é a consciência do terceiro ou meio." (zz ver (PEIR90), pg.16 pr. 382) Esses três elementos misturam-se em diversos graus que ele denomina "degenerados". Esses graus vão caracterizar o que chamou de tipos de consciência e que são, em primeira instância, a consciência do querer, a consciência da polaridade e a consciência da ação e reação.
A teoria pierceana é muito consistente e deixo ao leitor a sugestão de aprofundá-la em sua beleza e complexidade. Tomo-a por base nas reflexões realizadas no decorrer da experiência prática. Assim, nos parágrafos seguintes procurarei sintetizar aquilo que denominei, ao longo deste documento, como modos ou modalidades de consciência. Estas modalidades podem, provavelmente, ser consideradas dentro da teoria pierceana como tipos de consciência degenerados, já que nelas as várias categorias se misturam.
Resumindo o que foi dito anteriormente, a consciência é entendida aqui como um processo de apreensão e aquisição de conhecimentos, que se manifesta na mente do indivíduo e que decorre de inferências entre estímulos e efeitos existentes num dado contexto. A maneira como tais inferências se relacionam e se interconectam vão caracterizar os modos ou modalidades de consciência, conforme a classificação abaixo:
1. A consciência básica, de ação e reação, é aquela necessária para a sobrevivência das espécies e está presente em todos os seres vivos. Caracteriza-se pela ação e reação direta aos estímulos;
2. A consciência informacional é a que permite resgatar, através da recordação, as matrizes cognitivas ou os arquivos da memória dos seres vivos. Estes arquivos caracterizam-se pelos conhecimentos congenitamente herdados, pelos conhecimentos aprendidos e pelos conhecimentos adquiridos. Estes últimos extrapolam o nível individual restrito e, no caso humano, estendem-se por bibliotecas, museus e gigantescos banco de dados que podem ser acessados através das redes de comunicação que se tecem sobre o planeta;
3. A consciência comunicacional ou sígnica diz respeito às relações semânticas que se estabelecem entre os indivíduos através das diferentes linguagens (matemática, verbal, visual, sonora, corporal, gestual, táctil, olfativa e gustativa (zz ver (FORM73), (PIGN89) e (MORI75b));
4. A consciência reflexiva ou crítica é a que decorre do processo de pensamento por meio dos raciocínios lógicos (dedutivo e indutivo), analógico (abdutivo) e dos procedimentos de análise, de diferenciação, de síntese e de generalização dos conhecimentos adquiridos, herdados ou aprendidos. (zz ver (PEIR90) e (RUBIsd)) Esses tipos de raciocínio e esses procedimentos imbricam-se na tessitura do processo de pensar. São interdependentes, associam-se, engendram-se e complementam-se na procura da significação. Sua separação conceitual visa apenas ajudar a elucidar a compreensão de algumas das etapas do processo.
A polaridade inerente ao processo de pensamento, pode ser encarada não apenas como dualidade, mas como uma binariedade de forças, gerando uma tensão que se resolve com a produção de energia. A prevalência de um raciocínio, ou de um procedimento, pode ocorrer contingencialmente num contexto específico. Muitos equívocos, entretanto, têm sido produzidos quando se tenta transformar contingências em dogmas. É preciso pois compreender o processo, mesmo sem entender completamente suas entranhas, suas especificidades, ou sua totalidade complexa;
5. A consciência imaginativa relaciona-se com a capacidade de conectar, volitivamente, conjuntos de impressões dispersas, dando-lhes novos significados. Significados estes que podem vir a se transformar num plano, numa idéia a ser elaborada, num projeto ou até mesmo numa teoria; (zz ver os mundos imaginativos criados por Poincaré em (POIN88), pg. 53 à 67, ou a novela de muitas dimensões "Flatland" de Abbot em (ABBO91). Ver também os experimentos mentos mentais de Heisemberg em (HEISE87) e as reflexões de Hadamard em (HADA54), entre muitos outros.)
6. A consciência intuitiva é aquela que possibilita o estabelecimento de conexões significativas, acausais, entre elementos diversos que se desvelam ("insights"), independentemente da ação volitiva; (zz ver (LAUR91), pg. 49 à 61, (PEIR90), pg. 16 e 17 pg. 383, (JUNG58), (JUNG75), (JUNG86), (PEAT88), (FRAN85) e (GARD85))
7. A consciência criativa é a que induz a ação transformadora. Para isto ela constela a atenção do indivíduo, motivando-o, através da vontade, a assumir as ações transformadoras e, persistentemente, a cumprir as etapas sucessivas de aprofundamento, necessárias para realizar a idéia, o projeto ou o plano anteriormente imaginado;
8. A consciência holística que engloba todas as demais e que se realiza através da concentração total, vigilante e ativa, que permite observar o próprio processo de conhecimento. (zz ver (LAUR91a)
Este é o limite do discurso acadêmico. Apenas o discurso poético e mítico, a experiência artística, a vivência mística, o relato religioso, a alucinação provocada pela loucura ou o conceito de singularidade matemática situam os momentos sublimes que ocorrem quando esta modalidade de consciência se manifesta. "Neste momento, terminam todos os nomes e definições do nosso mundo conceitual tridimensional. Aqui nos tornamos conscientes de uma sucessão infinita de maiores dimensões (nas quais estão contidas as que conhecemos), para as quais ainda não encontramos formas adequadas de expressão, apesar de podermos pressentir a existência daquelas dimensões(...)." (zz ver (GOVI60), pg. 82))
Partindo das considerações acima procurei situar a experiência artística como uma experiência que pode englobar muitos dos modos de consciência citados acima. Podemos mesmo dizer que, embora estejam presentes em muitas outras atividades humanas os quatro últimos modos são aqueles onde o artista se sente mais à vontade.
O CAMPO DAS CIÊNCIAS: A FÍSICA E A GEOMETRIA COMO PARTE DO FAZER ARTÍSTICO
No campo das ciências é preciso estar-se sempre ciente da simplificação dos modelos criados face à realidade fatual. Passo a passo tais modelos vão incluindo novas teorias e ampliando o conjunto conceitual que representa o conhecimento limitado que temos do mundo.
No campo das artes, por outro lado, mesmo trabalhando com dados discretos e limitados, é possível criar sensações unificadoras que são expressas através da multiplicidade complexa e que criam metáforas poéticas adequadas ao contexto onde existem.
Entender, no entanto, mesmo que sucintamente, o conjunto conceitual que embasa a ciência deste século torna também possível a compreensão das pesquisas que eclodem no campo das artes visuais, cênicas e musicais. São elas que vão criar, complementarmente, as metáforas capazes de expressar os paradigmas cognitivos de uma época.
Novas e inauditas realidades já podem hoje ser apreendidas, não apenas conceptualmente mas também pelos sentidos do tato, da visão e da audição. Os confins do universo e os segredos da matéria podem ser transformados em imagens. Formas hoje restritas à expressões analíticas matemáticas podem ser visualizadas e sentidas. Interrelações isomórficas entre expressões matemáticas, formas, cores, sons e imagens em movimento criarão novos repertórios expressivos que, intermediados por computadores "inteligentes", poderão em breve ser manipulados individualmente ou grupalmente.
A experiência de compor provavelmente possibilitou o desenvolvimento da capacidade humana de abstrair (zz ver (OLIV87), pg. 61). Esta faculdade permitiu ao homem identificar no mundo determinados conjuntos e relações que ele agrupou por semelhança. A manipulação subseqüente desses conjuntos possibilitou a experimentação de diferentes relações entre seus elementos, lançando as bases da geometria. (zz geometria significava, em grego, medir a terra) O espaço territorial pode então ser construído e o espaço celeste observado. Desde então, a geometria acompanhou o desenvolvimento do pensar abstrato humano, tornando-se cada vez mais analítica: fórmulas complexas escritas em linguagem matemática representam o espaço, concebendo-o como modelo simplificado da realidade.
É bom também relembrar aqui que a geometria acompanhou o desenvolvimento tanto dos raciocínios lógicos que estruturaram o pensamento abstrato, como dos raciocínios analógicos que emergiram com o desenvolvimento das manifestações artísticas primitivas, intimamente associadas às tecnologias e mitologias de cada época. (zz ver (CAMP93) pg. 19) Tal interação provavelmente impulsionou muitas das transformações ocorridas ao longo da evolução humana.
No entanto, nos últimos cem anos a geometria ultrapassou, em sua concepção e conceitos, a noção de espaço e tempo como é, naturalmente, apreendida pelos sentidos. Tornou-se tão complexa que, hoje, ela só é acessível ao artista através da intuição. Somente a interação entre arte e ciência, desde que caracterizadas suas diferenças e convergências, tornará disponível para o artista o novo mundo imagético que se esconde dos sentidos nas fórmulas analíticas. Somente esta interação permitirá ao matemático ver os conceitos que formula e desenvolve sendo reelaborados pelos artistas. Tal reelaboração pode desvelar até mesmo outros possíveis significados quando utilizados nos repertórios poéticos criados pelos artistas.
Novas formulações concebendo espaços com dimensões e curvaturas incompreensíveis ao senso comum vem comprovando-se relevantes quando se investiga o muito grande, o muito pequeno, o não linear, ou o complexo (zz ver (ADLE58), (HILB52), (LIET68), (PEIT86) e (WAER83)).
Poderão os indivíduos ou grupos de indivíduos compartilhar o ato de projetar-se sensorialmente para espaços curvos como os concebidos analiticamente pelos matemáticos?
ESPAÇO
A representação dos objetos tridimensionais no período renascentista, por meio de perspectivas, trouxe para o nível consciente o espaço como fonte de experiências sensoriais humanas. A característica até então alegórica das representações transformaram-se. O espaço tridimensional passou a ser organizado segundo as regras mensuráveis da percepção visual, regras estas que o descreviam matematicamente, aproximando-o da realidade apreendida pelos sentidos. Neste período, tais noções atingiram enorme grau de sofisticação. (zz remeter para o bloco: Visão Binocular Estéreo)
No final do século XIX e no início do século XX as geometrias denominadas não euclidianas começaram a ser concebidas , simultânea e independentemente, pelos matemáticos Bolay (Hungria), Lobachevsky (Rússia), Gauss (Alemanha) e posteriormente por Riemann (Alemanha). A geometria denominada Riemanniana postula que "o menor trajeto entre dois pontos é determinado pela estrutura do espaço, assim como o menor trajeto entre dois pontos em uma superfície é determinado pela forma da superfície" (zz ver (SZAM88), pg. 175 e (POIN88), pg. 45 à78).
As geometrias não euclidianas baseiam-se no raciocínio lógico e muitas vezes contradizem impressões sensoriais e não apresentam relações aparentes com modelos reais observáveis. A teoria geral da relatividade de Einstein apoiou-se nessas geometrias para estudar os movimentos das estrelas e dos planetas. Tais movimentos decorrem das mudanças na estrutura geométrica do espaço em relação ao tempo e devem-se à presença das massas dos corpos celestes.
A matéria curva o espaço e este movimenta a matéria, movimento que caracteriza o tempo: espaço, tempo, matéria e movimento só podem ser abordados considerando sua interdependência. O novo modelo possibilita conceber situações paradoxais como inerentes ao mundo físico. Matéria, espaço e tempo podem tanto se expandir ilimitadamente, como se reduzir até deixar de existir, caracterizando-se como um ponto matemático denominado singularidade (zz ver (SZAM88)). Esta palavra traz subjacente ao seu significado o limite conceitual que o pensamento consciente pode abarcar, já que o cérebro humano não possui outro referencial exceto o espaço-temporal. Qualquer que seja a penetração que a mente humana possa alcançar, ela pode apenas trabalhar com os órgãos sensoriais que os seres humanos possuem. (zz ver (LANG72))
À medida que os modelos sensoriais humanos e os modelos matemáticos distanciavam-se, os últimos pareciam adequar-se melhor para explicar a natureza. Assim, geometrias nada evidentes ao senso comum tornaram-se a base dos modelos cosmológicos contemporâneos. (zz sobre as novas geometrias e modelos cosmológicos ver (ADLE58),(ADLE67), (HILB52), (GRIB88), (GLEI89), (FEYN88), (HEIS87), (DYSO81), (DUQU86), (CALD88), (BOS 85), (MONK37),, (PENR93), e (POIN88))
A inexistência de força de atração gravitacional entre os corpos como previa a mecânica newtoniana criou uma primeira ruptura com a física hoje denominada clássica. A seguir, quando Max Plank descobriu que a descontinuidade e a dualidade são propriedades fundamentais da natureza, a mecânica quântica começou a ser formulada. Configurou-se a partir de então uma ruptura conceitual sem precedentes na maneira de conceber o mundo físico.
Em 1926, Heisemberg percebeu, quando estudava a posição e velocidades de partículas em micro física, que havia um conflito conceitual nesse campo. Formulou então experimentos mentais verificando ser impossível obter informações simultâneas sobre a posição e a velocidade das partículas elementares num instante conhecido. Essa verificação consiste no que foi denominado de "princípio de incerteza".
Heisemberg rompeu com todo e qualquer determinismo clássico ao escrever que "por uma questão de princípio, não podemos conhecer o presente em todos os seus detalhes" (zz ver (HEIS87), (SZAM88), pg. 190 e (PENR93), pg. 274 à 278). Para lidar com os fenômenos com que trabalhava criou o conceito de "ondas de probabilidades", concebendo campos onde eventos probabilísticos se propagam no espaço e no tempo. As ondas de probabilidade são ondas conceituais a evidenciar o aspecto espaço-temporal no movimento dos elétrons.
Em 1927, Bohr formulou o "princípio da complementaridade" que possibilitou conceber as duas propriedades da matéria - onda e partícula - desde que só se utilizasse um dos conceitos de cada vez: ambos os modelos representam a realidade mas não podem ser compreendidos simultaneamente devido à estrutura interna (perceptiva) do cérebro humano e seus modelos sensoriais" (zz ver (GRIBB88), pg. 73, 74, 75, 82, 83, 90, 91, 92).
A partir da teoria de Bohr, outro físico, Wolgang Pauli, verifica que "em um sistema físico, dois elétrons não podem estar no mesmo estado". Essa afirmação constituiu-se no "princípio de exclusão de Pauli" (zz ver (SZAM88), pg. 198). A estrutura conceitual de uma nova teoria estava formada. Ela possibilitou ao matemático Dirac inventar um modelo ainda mais complexo de universo, invisível e imperceptível, onde o espaço vazio está preenchido por partículas com energia negativa, levando ao descobrimento de uma nova espécie de matéria: a anti matéria.
Desde então partículas virtuais, inobserváveis por princípio, são fundamentais para a explicação de fatos observáveis. Incerteza, probabilidade, complementaridade, previsões estatísticas e interferência no sistema observado pelo ato de observação constituem conceitos fundamentais responsáveis pelo desenvolvimento das tecnologias dos super condutores, dos chips, do raio laser e dos micro computadores, além de terem permitido o descobrimento da molécula helicoidal do DNA e o subseqüente desenvolvimento da engenharia genética (zz ver (GRIBB88), pg. 88, 104 a 107).
Um panorama mais complexo agora se apresenta: a sociedade pós-industrial construiu um mundo onde a indeterminação, o dinamismo, a multiplicidade das alternativas, caracterizam um novo modo de vida. Rupturas conceituais continuam processando-se.
Um fenômeno tão simples como aquele que faz com que a água entre em ebulição é às vezes extremamente difícil de analisar e compreender. Nessa situação os cientistas lançam mão de metáforas para explicar o comportamento de fenômenos complexos, evitando perder-se em paradoxos lógicos. Dentre as metáforas em foco atualmente interessa aqui aquelas pertinentes ao estudo do acaso e que desembocam nas idéias de complexidade (31) e de sincronicidade (32).
COMPLEXIDADE
De Euclides (cerca de 300 AC) até Hilbert (1943) o conjunto das matemáticas (álgebra, geometria, topologia, etc) foi progressivamente formalizado. Conjuntos de regras de inferências lógicas foram precisamente formulados e definidos. Essas regras de inferências lógicas foram elaboradas sobre um número finito de axiomas. Os axiomas são proposições gerais, fundamentais, totalmente explícitas, cuja verdade deve ser auto-evidente. Partindo-se dos axiomas pode-se aplicar as regras de inferências lógicas construindo-se listas de asserções denominadas teoremas. Os conjuntos dos teoremas, por sua vez são organizados em teorias, de tal modo que sempre se possa deduzir sistematicamente se a asserção é verdadeira ou falsa. (zz ver (RUEL93), pg. 196 e 197 e (PENR93), cap. 7)
Os matemáticos acreditaram durante certo tempo que, por meio de tal processo de ordenação lógica, poder-se-ia paulatinamente conhecer os conjuntos de propriedades fundamentais que caracterizam um dado problema complexo, criando estruturas lógicas isentas de contradições. Essa crença foi demolida em 1931 quando o lógico austríaco Kurt Göedel publicou um teorema denominado teorema da incompletude (33). Göedel demonstrou com esse teorema que os axiomas fundamentais da matemática possuem uma certa dose de acaso (incompletude) que pode conduzir a contradições, isto é , partindo-se de um mesmo conjunto de axiomas pode-se provar algo e também o seu oposto. ( zz ver (FRAN85), pg. 16)
O físico David Ruele em seu livro "Acaso e Caos" exemplifica a relação existente entre o teorema de Göedel com o acaso. Ele mostra que através da produção de "uma seqüência de propriedades dos números inteiros que são, ao acaso, verdadeiras ou falsas" pode-se "definir uma seqüência de números binários" (34) de tal modo que "não se possa determinar os números seguintes da série, sendo a "seqüência (...) completamente incalculável". (zz ver (RUEL93), pg. 201)
A teoria do caos aborda o lado irregular e descontínuo da natureza. Ela usa algoritmos computacionais que utilizam o acaso, para gerar certos tipos de imagens gráficas, e para apresentar certos tipos de previsões e de explicações de alguns fenômenos dinâmicos como por exemplo a previsão do tempo, o comportamento dos fluídos e das turbulências entre muitos outros.
Embora haja muito acaso no universo existe também regularidades. Dentre estas encontramos os processos de recombinação, ao acaso, de mensagens genéticas, que são essenciais à vida e sua evolução. Provavelmente foi o caráter dessas mensagens mutantes que permitiu o surgimento da vida. A este caráter mutável aliaram-se os processos de seleção natural. É provável que a seleção natural tenha propiciado a conservação e a reprodução daquelas mensagens genéticas cujo remanejamento mostrou-se mais flexível e adequado aos diferentes contextos complexos do universo, que são por sua vez cheios de acaso, mas que possuem uma ordem e uma estrutura subjacente às quais essas mensagens adaptaram-se. (zz ver (RUEL93), pg. 205 à 208)
Assim, proliferaram-se os fenômenos complexos, engendrando multiplicidades de formas e mecanismos que se desdobram num devir interminável de recombinações. Por mais obscuros que tais assuntos possam parecer a nós leigos eles, no entanto, desempenham "um papel central em nossa compreensão da natureza das coisas" e tem permitido alcançar resultados práticos importantes. (zz ver (RUEL93), pg. 220)
Resumindo pode-se dizer que o conhecimento científico nos permite compreender o universo como um complexo campo de probabilidades combinatórias em permanente devir. Para analisar os fragmentos desse campo, que são chamados de fenômenos, os cientistas lançam mão de métodos estatísticos. Estes métodos são muito eficientes para explicar "uma pequena parte do que há para compreender". (zz ver (RUEL93), pg. 169)
Entretanto os métodos estatísticos são geralmente inadequados para explicar o evento singular. Assim, o fenômeno singular e complexo é muitas vezes caracterizado como "irracional", "abissal", ou "insondável". (zz ver Herman Weil in (FRAN85), pg. 18 e 19) sendo provisoriamente delegado ao conjunto nebuloso dos fenômenos que podem ser vivenciados mas não compreendidos. É neste conjunto nebuloso que vamos encontrar os fenômenos psíquicos que ocorrem na mente durante o processo criativo.
É interessante notar que até mesmo cientistas das áreas denominadas exatas, como o físico David Ruelle e o físico-matemático Roger Penrose, têm especulado sobre a natureza dos processos mentais da mente e da consciência, (zz ver (RUEL93) e (PENR93)) da dinâmica dos processos perceptivos e de tomada de consciência do conjunto de certos fatos e das relações que acontecem durante o processo criativo e que conduzem finalmente ao ato de criação.
Cientistas como Wolfgang Pauli, Feigenbaum, Peter Coveney, David Peat, Libchaber, David Bohm, John Wheeler e Illya Prigogine, entre muitos outros, têm procurado compreender como é que a mente humana consegue lidar com o caos da percepção. Visam entender como é que o acaso e a desordem dão origem à ordem e à organização. Para isso eles têm estudado certos tipos de padrões inesperados de comportamentos que acontecem nos sistemas dinâmicos.
A segunda lei da termodinâmica postula que um sistema fechado, deixado entregue a si mesmo, sempre se desorganiza e decai em desordem e caos. No entanto, algumas dentre as estruturas dinâmicas estudadas pelos cientistas citados acima, e que são denominadas estruturas dissipativas, apresentam-se como sistema auto-organizadores e desenvolvem formas mais elevada de ordem.(35)
Muitas são as teorias que têm sido elaboradas nas quais os fenômenos dinâmicos são estudados. Essas teorias lançam mão do conceito de campo físico (36) de tal modo que os ritmos emergem do movimento total do campo e não através de uma força que atua sobre um dos elementos desse campo, definindo por exemplo sua trajetória.
Certos padrões, denominados "solitons" (zz ver (PEAT88), pg. 74 à 77), emergem do campo dinâmico e possuem propriedades que podem ser expressas por uma certa classe de equações não lineares. Esses "solitons" podem emergir do campo como uma expressão da totalidade desse campo. Eles assemelham-se "a ondas solitárias", (zz ver (PEAT88), pg. 74) como uma holografia que contém, em cada uma de suas partes, a totalidade da imagem representada. Os "solitons" têm sido encontrados nos circuitos elétricos, nos impulsos nervosos, nas ondas de pressão atmosférica, nos superfluídos e supercondutores, entre outros.
Os "solitons" podem se mover em trajetórias e interagir uns com os outros, mas não subsistem fora do meio que lhes dá origem. Eles são considerados como manifestações não lineares da meteria, que se apresentam como fenômenos locais cuja existência depende da atividade global do campo. No livro entitulado "Synchonicity" David Peat especula sobre a possibilidade de virmos a compreender o fenômeno da sincronicidade utilizando-se o conceito de "soliton". (zz ver (PEAT88), pg. 53 à 56 e 74 à 76)
Antes de abordar o conceito de sincronicidade é preciso, entretanto, verificar como os físicos estão ampliando o conceito de tempo.
TEMPO
Dentre os muitos aspectos essenciais de nossa percepção do mundo fenomenal, encontramo-nos agora a indagar sobre nossas sensações relativas à passagem do tempo, sobre o papel prático do acaso na nossa compreensão dos fenômenos naturais e mentais, e sobre a articulação entre o acaso, o tempo e as conexões destes com o processo criativo.
A insondável natureza do tempo tem-se apresentado, há séculos, como um mistério para a mente humana, mistério este louvado por poetas, especulado por filósofos e inquirido por cientistas. Inúmeras são as hipóteses formuladas sobre os possíveis padrões temporais existentes: unidirecionalidade, reversibilidade ou irreversibilidade, multiplicidade e ciclicidade.
Cientistas de diversas áreas do conhecimento têm ampliado o conceito de tempo, desenvolvendo teorias que o conceituam de diferentes maneiras.
O tempo da física de Newton é linear, reversível e determinista, podendo ser representado parametricamente em equações matemáticas que nos permitem equacionar a evolução de certos fenômenos físicos da realidade cotidiana dentro de determinadas situações.
O tempo da relatividade geral de Einstein e de parte das teorias da mecânica quântica é também um tempo simétrico e reversível. De acordo com a teoria da relatividade o fluxo do tempo depende do movimento do observador e de seu posicionamento no espaço-tempo. O intervalo temporal é relacionado com a distância percorrida no espaço durante este intervalo, sendo a velocidade da luz a velocidade limite para a realização do percurso. (zz ver (PENR93), pg.335 à 338),
Preconiza-se também a existência de um tempo que existe desde antes do "nascimento do nosso tempo" e que exige apenas a existência de um fenômeno de flutuação energética - uma instabilidade - para atualizar-se. Esta instabilidade pode mesmo "fazer nascer outros universos", conforme observa Ilya Prigogine em um estudo que realizou sobre o tempo (zz ver (PRIG91), pg. 59, 60, 65, 71, 73, 74 e 75).
Para Alberto Lautman, esse tempo seria um tempo cosmogônico, como um campo onde "ocorreriam acidentes topológicos" (zz ver Alberto Lautman in (FRAN85), pg. 124)). Para Beauergard, ele existe como uma imagem mental de um "alhures" onde "sistemas de carga de energias superiores são desenvolvidos", um alhures atemporal e tetra-dimensional, que "participa do mundo da informação ou da representação de imagens mentais, (...) algo psíquico, algo inconsciente e algo onde se estruturam as representações." (zz ver Beauregard in (FRAN85), pg. 122 e 123)
Para Ilya Prigogine, o "tempo é criação". O universo, no sentido não da degradação mas do aumento da complexidade, resulta do surgimento de estruturas complexas em todos os níveis: do galáctico e estelar ao biológico.
O tempo denominado interno, que existe em estado potencial em certos sistemas dinâmicos indica-nos como formas mais elevadas de ordem podem surgir a partir de fenômenos caóticos. (zz ver Prigogine in (COVE92), pg. 280 e (PEAT88), pg.77/78)
O desenvolvimento da vida decorre de tais estruturas. Para Prigogine, a vida "é o reino do não linear, é o reino da autonomia do tempo, é o reino da multiplicidade das estruturas" (zz ver (PRIG91), pg. 75). Ele entende que poderemos encontrar os padrões evolucionários de nosso universo, de nossa cultura e de nossa vida apenas se considerarmos o tempo como irreversível e estabelecermos vínculos entre entropia (37) e probabilidade.
Dentre as inúmeras experiências laboratoriais hoje estudadas, muitas relatam fenômenos comunicacionais extraordinários entre elementos materiais que, em determinadas situações, mudam seu comportamento como se as moléculas comunicassem umas com as outras. Entre esses fascinantes estudos sobre auto-organização (38) encontramos o conceito de tempo imbuído de duas facetas: a irreversibilidade e a repetição.
Muitos são os estudiosos contemporâneos que especulam, através do estudo de fenômenos termodinâmicos, como por exemplo as estruturas dissipativas, sobre a probabilidade da evolução do universo de ocorrer da ordenação de estados similares aos existentes nos fenômenos irreversíveis, denominados fenômenos auto-organizadores.
Ao considerarem que a ordem pode muitas vezes emergir da desordem, eles recolocam o conceito de irreversibilidade do tempo. O tempo como fenômeno irreversível não mais é sinônimo de um colapso inexorável que conduziria para a desordem e a morte de um universo decaído no final dos tempos. Um novo modo de consciência parece agora delinear-se.
Os ciclos temporais e os padrões que discernimos no mundo ao nosso redor unem-se no conceito de tempo irreversível. Se a seta do tempo ("the arrow of time") indica um tempo irreversível, heraclitiano, preconizando a mudança e a contínua transformação do mundo físico, ela não exclue a metáfora de um tempo cíclico cuja importância é vital quando procuramos compreender os padrões estampados nos fenômenos naturais ao nosso redor.
O mundo apresenta-se assim muito mais rico do que é possível expressar com uma única linguagem. Condensar numa única descrição os múltiplos aspectos de nossa experiência é reduzir nossa própria capacidade de apreensão, renunciando às possibilidades de explorar novas fronteiras cognitivas, diminuindo nossas possibilidades de conhecimento e permitindo a regressão ao domínio das crenças que, geralmente, são expressas em alegorias e transformadas em dogmas.(zz ver também (POLI92), (DRUC91, (RHEI92), (PIME93) e (PESS93))
SINCRONICIDADE E INTUIÇÃO
O papel do acaso, tanto no processo criativo como na compreensão que temos dos fenômenos naturais e mentais, propiciou indagações no decorrer do trabalho. Estas indagações, por suas vez, conduziram ao estabelecimento de certas conexões entre ordem e acaso na estruturação do pensamento visual criativo. O conceito que melhor se adequou para explicar essas conexões foi o de sincronicidade.
O conceito de sincronicidade aborda os padrões de coincidências significativas que acontecem nos eventos naturais, procurando compreende-los. Parte da concepção holística de um universo em permanente transformação, no qual variedades multifacetadas desdobram-se em flutuações, exprimindo ocorrências singulares locais. (zz ver (PEAT88), pg. 58 e 59)
Eventos sincronísticos são aqui entendidos como fenômenos do tipo aleatório relacionados com uma dada constelação de fatos únicos e imprevisíveis que emergem numa dada situação singular.
Os fenômenos sincronísticos exigem para sua compreensão a ampliação do conceito de tempo. São fenômenos que podem ser compreendidos como ocorrendo conjuntamente num campo ativo de informação que se expressa morfologicamente (zz ver (PEAT88), pg. 163 e 164). Neste campo torna-se possível o estabelecimento de relações entre eventualidades e significados, permitindo-nos perceber padrões e contextos mais abrangentes.
Causalidade e sincronicidade apresentam-se como percepções duais complementares de uma mesma realidade. Nos eventos causais existe uma conexão constante entre uma causa e um efeito, permitindo-nos estudar os fenômenos que se apresentam seqüencialmente no tempo. No evento sincronístico, diferentes situações e objetos congregam-se para, juntos, formarem um padrão significativo singular que se destaca no contexto espaço-temporal onde ocorre.
Na ordem sincronística a organização é compreendida através de níveis de significados. Cada nível é condicionado pelos outros níveis ao seu redor e dependerá de todos os demais níveis, que são constelados num dado momento, caracterizando o campo naquele instante. Isto é, tomamos consciência de um evento sincronístico quando os níveis se arranjam formando um padrão global. Esse padrão se expressa através da congregação dos eventos que se interrelacionam em função do que significam para nós. São assim destacados do contexto, emergindo espontaneamente na consciência.
Para o físico David Peat, os arquétipos (39) são os elementos básicos que constituem a nossa mente cuja estrutura pode resultar da atuação dinâmica desses mesmos arquétipos. Embora os arquétipos não possam ser observados diretamente, eles podem ser sentidos através dos diversos modos como se manifestam na consciência, tais sejam os sonhos, as imagens mentais, os mitos, os símbolos, etc. Para Peat os arquétipos podem ser comparados a certos campos denominados em física como "campos mórficos".
O "campo mórfico" é um "campo ativo de informação que se desdobra dentro de várias estruturas e processos", na natureza em geral e na matéria em particular. (zz ver (PEAT88), pg. 167) Esse campo possui níveis de sutilezas inumeráveis. Ele é uma espécie de memória que retém e libera informações no decorrer de certos processos naturais.
Peat, a partir desse conceito, caracteriza o inconsciente ou mente coletiva como uma totalidade profunda e abrangente, mantida por uma atividade dinâmica constante que atua sobre a consciência através dos arquétipos. (zz ver (PEAT88), pg. 110) A consciência, por outro lado, atua de volta, modificando os padrões preexistentes estampados na mente. Peat sugere que, se os arquétipos forem concebidos como campos de informação formativa, ou "campos mórficos", eles podem atuar tanto na consciência como na matéria, possibilitando a compreensão de inúmeros fenômenos até agora inexplicáveis, entre eles os fenômenos sincronísticos e os "insights". (zz ver (PEAT88), pg. 167)
O fenômeno sincronístico pode assim ser pensado como uma expressão do estado de atividade dinâmica da mente. Através dessa atividade os arquétipos são ativados em padrões que conectam o pensamento com certos arranjos materiais. Quando tais fatos acausais são percebidos simultânea e paralelamente, eles apresentam um significado particular que os relaciona, permitindo-lhes emergir na consciência como um evento singular e único.
Assim, as sincronicidades podem ser concebidas como padrões que emergem espontaneamente das contingências e do caos da natureza. (zz ver (PEAT88), pg. 57/65) Elas nos possibilitam detectar certas intuições que nos levam a uma compreensão muito mais sutil das relações entre mente e matéria. Conseqüentemente, essa compreensão, torna os processos criativos mais controláveis, permitindo combinar as explicações objetivas de um fenômeno com seu significado subjetivo.
Considerando mente e matéria como manifestações de um todo indivisível, alguns cientistas começam a incorporar um potencial criativo de considerável energia, ao integrar o enfoque causal da natureza, mais fragmentário e analítico, com o enfoque sincronístico, mais holístico e valorativo. Este último parece mais adequado para a compreensão de certos aspectos da teoria quântica que não se coadunam com o enfoque causal.
Roger Penrose, no livro "A Mente Nova do Rei", descreve como um dos exemplos de tais aspectos a existência de certos estados superpostos que estão na realidade espacialmente muito separados entre si e são denominados como "superposição linear quântica". Esses estados possibilitam considerar um fóton como estando "em dois lugares ao mesmo tempo, a uma distância de mais de um ano luz um do outro!" (zz ver (PENR93), pg. 282)
O PROCESSO DE CRIAÇÃO
Utilizando o conceito de sincronicidade procurei tomar consciência dos movimentos da mente durante o processo criativo. Considerei a mente como um campo espaço-temporal no qual emergiam pensamentos descontínuos e inconstantes que se conectavam pelo significado e não por meio de ligações associativas de causa e efeito. (zz ver (JUNG58), pg.254, (JUNG86), pg. 168 e 169, (FRAN85), pg. 8, 58, 65, 124, 126 e 132)
Durante o processo de criação acontecem encadeamentos probabilísticos e aleatórios de ideias visuais. Encadeamentos probabilísticos porque resultam de escolhas racionais e lógicas, fruto do aprendizado e das leis que regulam a percepção humana; aleatórios porque as escolhas decorrem de processos de associação de ideias que emergem sincronisticamente. Estes encadeamentos possibilitam a tomada de consciência dos eventos significativos que ocorrem e que caracterizam as escolhas realizadas durante o processo de criação.
O conteúdo informacional carregado pelos significados que se encontram em constante mutação são o cerne dos eventos sincronísticos que se estabelecem durante o processo de criação. O processo é, por sua vez, realimentado constante e criativamente pelo emergir de novos conteúdos a partir daqueles que anteriormente foram constelados. Através da ação formadora o raciocínio tridimensional constela qualidades sensoriais, afetivas, racionais e intuitivas que são articuladas em campos de acontecimentos. O resultado é o desenvolvimento exponencial de gamas de possíveis resultados a serem explorados.
Assim, a compreensão de conceitos como caos, estruturas dissipativas, irreversibilidade do tempo, auto-organização, desordem organizadora e complexidade estão permitindo o desenvolvimento das redes neurais, a melhor avaliação de dados de sistemas complexos, a melhor compreensão do processo criativo e dos fenômenos naturais do dia à dia. (zz ver (PEAT88), (COVE92), (PESS93) e (RUEL93))
No "laboratório" Terra, a vida organizou-se como um sistema homeostático; proliferou-se e evoluiu vindo a possibilitar o desenvolvimento da consciência humana. Pelo que até agora conhecemos a vida caracteriza-se por opor-se ao aumento paulatino da entropia do universo (zz ver (YOUN68)). Isto é, a vida opõe-se ao aumento da desordem que poderia levar ao colapso inexorável de um universo que caminha impreterivelmente para sua "morte", como tem sido preconizado por algumas cosmologias modernas.
Considerando a vida como um sistema auto-organizador, por sua própria natureza, (zz ver (PEAT88) e (COVE92)) será que podemos especular ter ela a função de propiciar um cíclico recomeçar? A proliferação dos signos visuais tem algum papel nessa organização? É relevante para um artista compreender a ciência de seu tempo?
Os fundamentos teóricos do presente trabalho buscam delinear algumas respostas e formular outras questões. Eles decorrem de reflexões que emergiram durante a experiência prática realizada e operam com conceitos de diversos campos do conhecimento. O intuito foi o de estabelecer uma visão abrangente, identificando as possíveis convergências existentes entre tais campos.
A experiência prática da criação de simulações estereoscópicas visou ampliar e inventar repertórios visuais poéticos. Estes constituem matéria prima formal para a imaginação. Ao mesmo tempo, fomentam campos experimentais, visando o resgate de sensações. Daí a utilização de conceitos que emergem de campos do conhecimento tão diversos como o das artes e poéticas visuais, por um lado, o da física e o da geometria, por outro.
Assim, detectar e desenvolver possibilidades morfológicas, emergentes em algumas áreas científicas contemporâneas e, através do uso das tecnologias computacionais, aplicá-las no contexto da produção artística, embasou todo o trabalho, desde seu início. As possibilidades morfológicas, resultadas da expressão de conteúdos cognitivos, apresentam-se como matrizes configuradoras das realidades ilusórias criadas. Elas carregam dentro de si conjuntos potenciais de organizações formais e espaciais.
No campo científico, muitos cientistas têm procurado, atualmente, romper com dogmatismos imobilizadores em seus domínios de conhecimento, evitando a transformação de teorias em crenças cristalizadas. Garantem desse modo a evolução da ciência através da crítica constante. Mas mesmo entre tais cientistas vamos encontrar, com raras exceções, o discurso sobre a importância pragmática da pesquisa experimental e objetiva, garantindo a validade dos experimentos realizados. O fato que eles geralmente questionam é o da transformação das teorias e métodos científicos em verdades absolutas e irrefutáveis.
Questões como a reversibilidade do tempo, o determinismo aplicado redutoramente e indiscriminadamente a situações complexas, a desordem e o acaso como antítese da organização, a disjunção entre conhecimento objetivo, subjetivo e intuitivo são hoje assunto de sérias reflexões por parte de teóricos e cientistas.( zz ver Henri Atlan, Ilya Prigogine, Edgar Morin, Paul Feyerabend in (PESS93) e Peter Coveney (COVE92))
A postura crítica tem permitido modificar, ampliar ou até mesmo refutar as teorias que perderam a coerência. Tal postura induz o progressivo desenvolvimento e aprofundamento de novas idéias, gerando novas inferências a serem testadas.
O motivo principal de buscar-se aqui uma visão mais abrangente de campos tão diversos é considerá-los complementares e não opostos. A reflexão especulativa, resultante da detecção de possíveis convergências entre estes campos, é incrivelmente fecunda do ponto vista da criação artística.
Na contemporaneidade o fazer poético tem sido desvalorizado e tal desvalorização tem sido reconhecida por eminentes cientistas e epistemólogos. Paul Feyerabend chega mesmo a temer uma maior eliminação da "poesia como meio de explorar a realidade". (zz ver (PESS93), pg. 101)
O artista, entretanto, precisa saber, ao menos em linhas gerais, as especificidades de sua época. É preciso procurar compreender os papéis dos distintos modelos conceituais dentro de seus contextos peculiares, sem misturar seus conteúdos e seus métodos de pesquisa.
Até mesmo as palavras chegam hoje a assumir diferentes significados dentro de um mesmo campo do conhecimento e da cultura. As diversas áreas do conhecimento especializaram-se demasiadamente. Seria um erro emprestar conceitos de campos do conhecimento científico que utilizam métodos de pesquisa organizados para garantir a objetividade de seus experimentos, num outro campo, como o campo das artes por exemplo, onde os métodos de investigação visam despertar o saber subjetivo sensorial, buscando expressar fenômenos singulares, idiossincrasias, especificidades e até mesmo paradoxos.
O terreno artístico configura-se a partir das teorias que dele emergem e o diferenciam. Tais teorias, ora são baseadas em períodos históricos que caracterizam determinadas manifestações artísticas, ora são baseadas em conjuntos de elementos e premissas que criam os códigos e a atmosfera teórica propícia ao desenvolvimento de um fazer. As teorias possibilitam a identificação e o intercâmbio dos indivíduos que compartilham empaticamente o mesmo código.
O campo da arte requer a existência de um ambiente artístico onde seus códigos são criados. Diálogos e polêmicas compõem ou antepõem posições conceituais sobre as quais serão tecidas as teorias. Na contemporaneidade, ver algo como arte requer um conhecimento do contexto de onde surgiram as obras e dos códigos aos quais elas se referem.
Depois de Duchamp, o que diferencia um mictório de um trabalho artístico é o ambiente e o contexto legitimador onde ele se apresenta (zz ver (DANT64), pg. 133). O conceito de arte varia conforme a época e o contexto onde é empregado. Duchamp, entre muitos outros, rejeitou ser designado como artista. As denominações de arte e de artista, como usualmente concebidas, não mais são adequadas ao contexto atual, face aos fenômenos de expansão dos códigos e de multiplicação das linguagens.
Por mais inadequados que se mostrem os conceitos, o universo do sensível continua a ser elaborado e os valores estéticos reinventados, enriquecendo constantemente nossa subjetividade. Na falta de terminologia mais apropriada, as palavras arte e artista continuarão a ser aqui utilizadas. A primeira refere-se ao campo do conhecimento onde valores estéticos são reapropriados, inventados e testados criando linguagens. A segunda refere-se aos indivíduos que auscultam "com os sensores da intuição, os caminhos da sensibilidade a serem abertos através do potencial com que as novas tecnologias" os desafiam. (zz ver (SANT92a), pg. 102)
Lúcia Santaella no artigo denominado OUTR(A)IDADE DO MUNDO coloca claramente a questão da relatividade dos conceitos frente aos diversos contextos com que nos deparamos. Ela escreve que: "Hoje sabemos que toda interpretação depende dos referenciais que sustentam o pensamento de quem interpreta." Destaca outrossim que o caráter radicalmente diferencial das imagens simuladas resultam de "sínteses sígnicas" e fazem do real "apenas uma das atualizações do possível." (zz ver (SANT92a), pg. 64-65).
O CAMPO DAS ARTES
As teorias artísticas constituem o panorama de fundo permeando o fazer artístico. Elas focalizam e sistematizam conjuntos de premissas para subseqüentes reelaborações, rearticulações, refinamentos e alterações por parte daqueles que as utilizam. Esta dialética leva ao estabelecimento de novos códigos e novas linguagens que se destacam, num dos centros legitimadores, por um período (o "breaktrough"), até serem reincorporados no campo como parte do panorama de fundo, onde realimentarão escolhas futuras.
É como se o campo artístico fosse um laboratório experimental para a geração e aprimoramento de novos códigos e linguagens. Laboratório onde conjuntos de estratégias constelam-se, são testados e reestruturados. Esta metáfora conjectural ajuda, talvez, a aclarar as relações, as restrições e as conexões entre os diferentes sistemas sígnicos que emergem no campo artístico contemporâneo.
A complexidade aparentemente desconcertante desse campo possui uma riqueza fantástica. Agrupamentos de possibilidades conceituais são expressos através de imenso número de movimentos que neles coexistem ou coexistiram: suprematismo, construtivismo, arte conceitual, arte concreta, arte programada, minimalismo, tachismo, vídeo arte, "land art", "sky art", arte por computador, arte cibernética, arte cinética, arte eletrônica, entre muitas outras mais. (zz ver (MORA91)
As categorizações, entretanto, parecem ineficazes quando começamos a colocar quais artistas pertencem a quais correntes. Os conjuntos interceptam-se, as fronteiras diluem-se e esboroam-se. É difícil distanciar-se da própria época. Talvez as gerações futuras nos catalogarão como o período caracterizado pelo exercício criativo da manipulação de possibilidades permutacionais de conceitos e de sensações. Os códigos produzidos, expressos com cores, sons, formas, texturas e movimentos, incluem, conscientemente, o imponderável no fazer artístico.
No campo artístico, como no campo científico, os métodos de investigação podem, também, transformar-se em dogmas cristalizados, conduzindo à imobilidade e à morte caso não se renovem. Observar, portanto, a maneira como os cientistas realizam sua autocrítica e buscar os meios de realizá-la no campo artístico, consideradas as diferenças já apontadas, pode tornar-se um exercício muito salutar.
Pretende-se assim, para começar este exercício, situar a produção realizada no contexto artístico deste século. A seguir serão sintetizadas as características mais relevantes de alguns movimentos artísticos também deste século. Destaco os movimentos que possuem interfaces significativas com o trabalho prático que venho desenvolvendo, detectando aspectos identificadores, complementares ou diferenciadores entre eles e este trabalho.
Primeiramente algumas postulações teóricas da primeira metade deste século serão resgatadas. De início é preciso relembrar Herbert Read (zz ver (READ55)) e suas considerações sobre a ampliação da consciência decorrente da evolução técnica, social e econômica que ocorreu, com o passar dos séculos, nas sociedades humanas. Tal processo possibilitou o desenvolvimento da compreensão formal do mundo como entidade em si mesma, entidade essa produto do esforço construtivo, que resultou em subseqüente ampliação da consciência por meio de processos sucessivamente cumulativos.
Read abordou as manifestações artísticas em períodos históricos caracterizando-os ou pela prevalência, ou pela integração de dois pólos conceituais básicos: o vitalismo e a harmonia (zz ver (READ55), pg. 33, 36 e 76). Ele considerou tais pólos como característicos de todas as manifestações artísticas ao longo da evolução humana. A complexificação e diferenciação destas manifestações resultaram, portanto, da maneira como cada contexto social identificou e organizou sua produção artística, ora apoiando-se em um ou outro desses pólos, ora buscando maneiras de integrá-los.
Tais pólos conceituais foram formulados primeiramente por Worringer (zz ver (WORRsd), pg. 27, 32/33, 38, 70/72, 82/84, 89/93), ao estudar os processos psíquicos que orientavam, no campo das artes, as matrizes criadoras. Na concepção deste pensador estas matrizes norteavam as tendências humanas de relacionamento com o mundo. Ele concebia este relacionamento como ocorrendo seja através da empatia como função direta do sentimento seja intermediado pela atividade abstrata cognitiva, através do desenvolvimento da capacidade de relacionar e de estabelecer categorias como forma de conhecimento.
Com o passar do tempo, os graus de diferenciação entre os diversos processos que ocorriam na mente e que decorriam da imaginação e da apreensão da sensação em si mesma passaram a resultar paulatinamente da experiência individual indireta. Os paradigmas vigentes em cada época passavam aos poucos a intermediar a atividade cognitiva, distanciando o indivíduo da experiência direta com o mundo.
Olhando tal fato ao longo da história, verifica-se que esse distanciamento levou o homem, algumas vezes, a perder o nexo com a experiência das sensações estéticas diretas como resultado do uso dos seus próprios sentidos. Nestes períodos, os artefatos artísticos tornaram-se repetitivos e estereotipados devido à aplicação recorrente de regras convencionais, perdendo sua natureza singular (zz ver (READ55), pg. 87).
Nos primórdios da evolução humana, o pólo onde encontrar-se-iam esta ou aquela atividade artística pode ser detectado analisando as marcas deixadas pelo homem primitivo. Estas parecem o resultado material da projeção automática das imagens da memória. Posteriormente, com a geometrização da percepção em signos abstratos, teria ocorrido uma possível etapa relacionada com a estruturação da linguagem verbal.
Essa estruturação pode ter conduzido os indivíduos a vivenciarem novas formas de experiência. A descoberta da composição formal e das leis harmônicas para manipulação das imagens pode ter provocado, em decorrência, novas organizações sígnicas. Estas novas experiências recorriam às imagens da memória, transformando-as, subseqüentemente, em novas imagens, signos ou símbolos. Cumulativamente tais experiências possivelmente amplificaram os raciocínios lógico e o analógico. O raciocínio lógico provavelmente permitiu o surgimento das ciências e o analógico possibilitou o desenvolvimento das manifestações artísticas.
Para Read, a arte é o campo do conhecimento onde sentimentos e emoções são configurados, manipulados, gravados e/ou perpetuados; pode ser um ato mental de imaginação e concorrentemente de expressão.
O trabalho artístico, naquilo que tem de mais característico, é uma tentativa bem sucedida de tomar conhecimento de uma dada sensação estética. Resulta ele da tentativa de dar "vida" a entidades ou objetos singulares. As sensações podem manifestar-se tanto no nível corporal como no nível mental. Neste último, elas resultam dos reflexos provocados pelo mundo sobre o indivíduo.
No decorrer da evolução humana, a consciência do espaço e do tempo desenvolveu-se e modificou-se lentamente pelo exercício da prática artística. Propiciou o surgimento de novas áreas exploratórias da sensibilidade. Esse refinamento ocorreu lentamente. Entretanto a descrição do processo como esse refinamento aconteceu, assumindo ora um determinado conjunto de características, ora outro, ao longo da história humana, não é relevante para o escopo deste trabalho.
O que aqui se pretende enfocar é o desembocar desse processo no surgimento de novas modalidades de consciência. (zz remeter para o tópico CONSCIÊNCIA) Em primeiro lugar, descobriu-se a existência de processos inconscientes na psique humana (zz ver (READ55), pg. 106); e em segundo lugar, descobriu-se as possibilidade de experimentação sensorial de novas e intangíveis realidades ilusórias. Tais modalidades deslocam as manifestações artísticas da mimesis para a descoberta e exploração de novos limites subjetivos da consciência.
Esse despertar não foi abrupto. No século XIX começou a ocorrer, de início descoordenadamente, a possibilidade do artista expressar o caráter único de sua individualidade. Read coloca este fato como sendo a grande expansão da consciência humana da sua época (zz ver (READ55), pg. 109 e 110).
O intuito, ao destacar tal fato, não é psicologizar as manifestações artísticas, mas procurar compreender o processo cognitivo elementar de ideação que as embasa.
Susan Langer considera que a percepção moldada pela imaginação possibilita o conhecimento do "mundo do lado de fora" (zz ver (LANG53), pg. 370). Segundo ela as questões psicológicas surgem e podem levar para o campo da antropologia, da biologia, ou mesmo da neuro-fisiologia. Assim, esbarra-se em outros campos do conhecimento devido às características inerentes à natureza dos fenômenos envolvidos. Fugir de tais assuntos é bloquear o progresso do pensamento sistemático. Os fatos devem ser estudados especificamente no campo do conhecimento de onde emergem, mas ignorá-los é um ato inconseqüente (zz ver (LANG53)).
O fenômeno de busca dos conteúdos inconscientes para expressar o mundo da pura subjetividade é considerado por Read como uma grande ampliação conceitual porque incorpora a diversidade individual nas atividades artísticas. Ao tornar válida a experiência individual, assegura-se a todo e qualquer indivíduo o poder potencial de explorar outras fronteiras além daquelas estabelecidas como paradigmas vigentes (zz ver (READ60)). Talvez o fenômeno não tenha sido devidamente estudado, a não ser como exclusivamente psicológico, por ser muito recente do ponto de vista histórico.
No campo artístico tal fenômeno assume características diferenciadas daquelas que apresenta no campo psicológico, pois a busca profunda desses conteúdos é intencional, consciente, assim como o resultado final da elaboração de tais vivências. Read, ao abordar a questão, pergunta-se sobre a possibilidade de o artista contemporâneo ter encontrado um método para observar o próprio "self" isolado do mundo exterior, "self" esse que considera uma mina inexaurível de imagens (zz ver os conceitos de inconsciente, arquétipo e "self" em (JUNG75) e (JUNG86).
Ao falar em subjetividade, em expressão individual ou auto-expressão, não se está a referir a traços superficiais que caracterizam os personagens assumidos pelo artista durante sua vida. Antes, procura-se analisar as características subjetivas que permitem acessar canais de comunicação com níveis coletivos e arquetípicos que ultrapassam o nível superficial do ego e não são ainda bem compreendidos.
Paul Klee caracterizou tais níveis como "lugares onde situam-se os poderes primevos de toda evolução", chamando-os também indistintamente de cérebro, criação, ou coração (zz ver (LAZZ72)). Para ele, o caminho estava na criação de imagens objetivas que incorporam valores impessoais absolutos. A nova modalidade de consciência, resultado da união do "self" com as forças naturais que nutrem toda a evolução, permitiria a criação de realidades artísticas, visando elevar a vida além da mediocridade.
Para Read, a tarefa do artista moderno consistia em construir pontes entre os diversos indivíduos entre si, ou entre sua personalidade particular e os valores considerados por ele como universais. Parece-me que sua asserção começa a tornar-se realidade à medida que tecem-se redes de comunicação informacionais sobre o planeta. As interfaces de acesso a estas redes estão tornando-se tão interativas que a "construção de pontes" vinculando lugares e indivíduos transforma-se numa meta para muitos artistas.
Fatores de convergência e síntese esboçam-se. São convergências e sínteses que poderão ultrapassar as fronteiras entre os diversos campos do conhecimento hoje ainda tão estanques. Prigogine denomina essa situação de nova aliança (zz ver (PRIG82)) e considera que ela decorre da interpenetração dos diversos campos do conhecimento uns pelos outros. A não segregação do pensamento parece tornar-se imprescindível e desejável num universo que assume, cada vez mais, características holísticas.
Por que não parafrasear Klee e Prigogine, imaginando novas realidades artísticas a explorar fronteiras onde as trocas se permeiam, onde o lógico e o analógico se completam na tentativa de tomar consciência do próprio ato de perceber, pensar, sentir e criar enquanto se processam?
O artista, quando projeta diretamente os conteúdos subjetivos de sua mente no seu trabalho (seja ele figurativo ou não), encontra-se no pólo caracterizado como vitalismo ou empatia. Quando cria campos sensoriais compondo e organizando sincronicamente realidades ilusórias, encontra-se no pólo da harmonia ou abstração, sem contudo precisar abandonar sua subjetividade. Pode assim elaborar realizações artísticas que se tornam, elas mesmas, novas realidades. Essas realizações artísticas não visam a representação do mundo, mas a criação de um mundo; perseguem um absoluto; engendram forças expressivas que se constróem, ou o resultado de construções que se expressam.
Para Mondriam, a abstração era a expressão da pura realidade. Ele procurava expressar a unidade básica fundamental pela abolição da forma particular. Para ele, tal busca era uma necessidade vital e apaixonada. Ele procurava estabelecer uma lógica livre das limitações pessoais e utilitárias para atingir a perfeição formal num nível acessível apenas à pura intuição (zz ver (READ55), pg. 131). Essa procura da perfeição e da unidade pode ser encarada como uma busca arquetípica: a de expressar a totalidade de si mesmo ou do "self".
Expressar, exprimir são palavras que carregam em si a sensação de desvelar e descerrar conteúdos. Se esses conteúdos são compostos por sentimentos e sensações vitais, ou por profundos simbolismos do "self", ou ainda por conteúdos conceituais racionais não é relevante para uma análise geral do que parece ser a característica mais singular dos movimentos artísticos do século XX: aquela que identifica, em sua essência, parte da atividade humana cognitiva como expressão, não de desejos, mas de relações, sem nenhuma conexão aparente, entre diversos conteúdos sensoriais, possibilitando o despertar de novos estados de consciência (zz ver (LANG53)).
O objeto artístico criado constela esses estados. Ele configura-se na consciência do seu criador durante a concepção e durante a ação implícita para sua elaboração, caracterizando-se como objeto plasticamente configurado (zz ver (READ60), pg. 26).
Ao constelar-se, ele traz à tona sistemas de memória previamente mapeados no cérebro (zz ver (YOUN68)). Amadurece então como sensação identificadora de um contexto, de uma matriz, ou de uma nova situação que aparece durante o ato de construí-lo (zz ver (READ60)). Emerge como objeto, material ou imaterial, resultante de uma manifestação singular, de um fazer, de uma criação (zz remeter para o item matrizes cognitivas).
O conhecimento que temos da estrutura neuro-fisiológica do cérebro e suas funções é ainda muito limitado. No entanto, vários desses estudos já identificaram que, ao escolher uma alternativa, o indivíduo constela em seu cérebro um enorme conjunto de outras alternativas possíveis, que não serão escolhidas. Esse sistema é mapeado na memória e lá permanece latente e adormecido, mas pronto para ser acessado.
Aquelas informações aprendidas, que são vitais para a sobrevivência da espécie, são incorporadas no código genético dos indivíduos no período de algumas gerações (zz ver (YOUN68)). No caso humano cogita-se ser a capacidade de reativar e reelaborar as matrizes estampadas na memória, através da imaginação, que possibilitou o desenvolvimento da linguagem verbal e até mesmo o surgimento de modos diferenciados da consciência.
No início deste século o ser humano conquistou, virtualmente, a liberdade de escolher e aprender com essa escolha. No passado, a escolha errada poderia significar sua própria morte.
Foi entretanto no campo do fazer artístico que o homem conquistou o poder de atuar com maior liberdade. A partir do advento da arte moderna o artista, que trabalhava por encomenda, viu seu esse trabalho ser cada vez mais desvalorizado.
O "verdadeiro" artista passou a ser o indivíduo que determinava seu campo de experimentação e atuava nesse campo por meio de um conjunto de procedimentos e meios visando um objetivo. Este objetivo era escolhido por ele mesmo ou pelo grupo ao qual pertencia. Todos os fatores eram por ele determinados. Ele era livre para os escolher e escolhia-os baseando-se na sua sensibilidade e experiência pessoal, atribuindo-se o livre arbítrio para modifica-los.
Esse ato consciente de escolha, livre e pessoal a partir da própria experiência, é aqui denominado auto-expressão. A palavra carrega conotações que a relacionam com os movimentos surrealistas e expressionistas. Foi utilizada, no entanto, por ser aquela cujo sentido geral mais se aproxima daquele acima descrito (zz ver (BRET68), (LIPM81), (LUCI85), (MARS89), e (STAN91)).
À medida que o método rigoroso e específico das ciências se desenvolve buscando compreender as leis da matéria, o enfoque dos trabalhos artísticos desloca-se para a desmaterialização do objeto: seja como expressão dos estados psicológicos interiores dos artistas, seja como experimentação radical com formas, com cores, com materiais e com conceitos. (zz ver (MORA91), pg. 15) Repertórios poéticos são assim criados e estabelecem-se sobre leis organizadoras, amplas e variadas, que orientam a criação sem tolher a liberdade de sentir, de expressar, de explorar ilimitadamente as sensações e as imaginações.
É interessante notar como muitas vezes neste século duas tendências aparentemente opostas, mas em geral complementares, acabam sendo reunidas numa terceira tendência que identifica a complementaridade existente, recombinando-as. Por exemplo, o minimalismo e a arte cinética, de modo diverso um do outro, unificam e reconciliam o suprematismo, o construtivismo para, por sua vez, serem conjuntamente incorporados nas experiências mais radicais da arte conceitual.
No contexto deste documento procurei identificar interfaces conceituais com alguns dos movimentos artísticos deste século. Principalmente aqueles movimentos que levaram tais posturas às suas últimas consequências, experimentando com as possibilidades materiais que tais escolhas ofereciam. Detectei algumas características, nesses movimentos, com as quais sinto maior identidade, e outras das quais me diferencio. A partir delas, escolhi o conjunto das premissas que embasaram a experiência prática realizada (zz remeter para essas premissas no tópico PERCURSOS). Dos inúmeros movimentos artísticos deste século, sumariarei a seguir aqueles com os quais dialoguei, destacando apenas os artistas que mais me influenciaram.
SUPREMATISMO
Movimento artístico surgido em 1913 na Rússia. Proclamava a sensação e a energia como sendo a essência do conteúdo da arte, cujos produtos (pinturas e esculturas) não possuiam relação com mundo visível, mas exprimiam formas originadas na mente humana.
As formas simples e as cores puras foram utilizadas em requintadas proporções geométricas, pelos artistas desta corrente, para a elaboração de composições pictóricas e escultóricas. Nelas os artistas procuravam substituir a experiência espiritual pelo exercício autotélico da sensibilidade pura, equilibrada e harmônica. As composições tinham por base um conjunto de "axiomas composicionais" definido pelos seus autores. Com seu emprego visava-se atingir a transcendência do ser, remetendo o indivíduo a visões cósmicas desmaterializadas, livres da mímesis e da representação dos objetos. (zz ver (CHIP88), pg. 313 à 369, (MORA91), pg. 70 e 71 e (STAN91), pg. 100 à 102)
O suprematismo liberou os planos da pintura que, desligados dos objetos do mundo, podiam ser preenchidos pelos significados poéticos das novas organizações formais neles engendradas. O movimento nasceu de uma "luta para estabelecer uma linguagem artística auto-suficiente" centrada na dinâmica da composição e em "um mundo artístico não objetivo". (zz ver (RAKI92), pg. 31)
Kasimir Malevich foi o artista fundador desse movimento e também o mais radical, polêmico e prolífico de seus mentores. Escreveu inúmeros livros expondo suas investigações analíticas para a pesquisa artística aplicada que denominou "Ciência da Arte". Para Malevich a idéia de dinamismo agregava-se à noção de arte como pura energia. Energia e tensão energética são temas sempre presentes no seu trabalho: "eu pinto a energia e não a alma". (zz ver (RAKI92), pg. 27)
Numa postura simbólica, que considero uma atitude artística das mais significativas deste século (zz a outra foi a de Duchamp ao expor "A Fonte", remeter para tópico ARTE CONCEITUAL)), Malevich, na exposição 0.10 em 1915 em Petrogrado, substituiu o ícone russo pelo quadrado preto. Ele organizou o espaço da exposição como hoje organizamos o espaço das "instalações" ou "ambientes". Seu quadrado preto foi considerado por alguns críticos como uma blasfêmia, por outros como o ato precursor de uma nova era cósmica. (zz ver (SHAT92), pg. 39 à 52) Assim, o quadrado preto tornou-se o símbolo da arte de vanguarda ("Avant-Garde") sendo reapropriado posteriormente por muitos outros artistas.
O suprematismo coexistiu com o construtivismo sendo, às vezes, considerado como uma tendência deste.
CONSTRUTIVISMO E NEOPLASTICISMO
Esse movimento artístico surgiu na Europa pouco antes da primeira guerra mundial (1914). Nele, as categorias estéticas e funcionais influenciadas pela ciência, pela tecnologia e pelas ideologias da época foram apaixonadamente elaboradas pelos artistas, "designers" e arquitetos que dele participaram. Tais categorias baseavam-se nos processos e técnicas de produção seriada desenvolvidos pela tecnologia da sociedade industrial que então afirmava-se como modo de produção dominante.
Os artistas construtivistas preconizavam a construção do mundo visível através de uma nova plástica construtiva. O escultor Avatar Morais considera que "a tecnologia de multiplicação de uma matriz ou produção em série, determina não só um tipo de forma, mas toda uma estética de amplas dimensões sociais. Não apenas uma estética, mas o referencial ideológico do desenho industrial", artes e arquitetura ( zz Avatar Morais, texto inédito, ver (MORAsd)). Esses artistas desenvolveram os critérios estéticos, as morfologias e metodologias que permeiam toda a produção industrial contemporânea.
Como no suprematismo, os artistas construtivistas voltaram-se para a arte como construção mental. Procuraram organizar as leis composicionais que explicitavam relações perfeitas e novas harmonias, visando livrar as obras de arte " de qualquer influência pessoal do artista". (zz ver (CHIP88), pg. 313)
São inúmeros os artistas construtivistas e neoplasticistas. Interessa-me aqui destacar, dentre eles, o russo Vladimir Tatlin e o holandês Piet Mondriam.
Tatlin perseguiu a idéia da hegemonia plástica absoluta, integradora do fazer e do sentir. Para ele, a percepção visual realizava-se através da sensação táctil do olho percorrendo a escultura e a visão deveria ser colocada sob o domínio do tato: "o olho vê e toca o trabalho". ( zz ver (RAKI92), pg. 30)
Ele deslocou seu interesse para os objetos comuns necessários à sobrevivência cotidiana, delineando o perfil atual do "designer" industrial que procura fazer do objeto industrial um objeto com certas características artísticas.
A adequação que Tatlin conseguia entre a natureza dos materiais e as formas dos objetos viabilizou a obtenção de espaços ricos em sensações e significações. Seu projeto de monumento para a convenção denominada "Terceira Internacional" foi adotado pelas vanguardas artísticas ocidentais como um monumento à liberdade absoluta, um símbolo de uma nova consciência artística.
O monumento à "Terceira Internacional" seria composto por uma torre metálica cuja forma era a de uma gigantesca espiral. Nessa estrutura ficariam suspensos, em diferentes níveis, um cilindro, um cubo e uma esfera, cada um girando em diferentes velocidades, culminando com um aparelho para projetar imagens nas nuvens. (zz ver (STAN91), pg. 119)
Embora nunca tenha sido construído, esse monumento tornou-se um ideal artístico de integração entre pintura, escultura e arquitetura, influenciando muitos dos artistas cinéticos que se seguiram.
Piet Mondrian, pintor holandês, preconizava a concepção da arte pela mente que assim poderia impor sua ordem racional. Ele considerava "a beleza universal" como um processo determinado pelo "ritmo dinâmico" decorrente das "relações múltiplas (...) e inerentes" que se estabelecem entre as formas. (zz ver (STAN91), pg. 174) Para ele toda forma tinha sua expressão própria, tornando-a inseparável de seu conteúdo.
Mondriam negava a "concepção naturalista e a orientação descritiva" (ilustrativa), literária ou decorativa da arte. Para ele as leis de equilíbrio dinâmico permitiam a "construção de um ritmo de relações mútuas (...) juntamente com as relações de posição e dimensão" governando as composições. A grande luta dos artistas consistia em conseguir expressar o "movimento dinâmico em equilíbrio" que ele dizia ter tentado obter com a obra "Victory Boogie Woogie". (zz ver (CHIP88), pg. 353 à 369)
CONCRETISMO E NEO-CONCRETISMO BRASILEIROS
No Brasil o concretismo, influenciado pelo construtivismo e suprematismo russos principalmente, estabeleceu-se por volta de 1950. Desenvolveu-se, entretanto, com características próprias, misturando várias tendências.
O movimento é considerado como uma das vertentes da arte concreta internacional que surgiu por volta de 1930. Seu objetivo era "criar uma nova realidade", (zz ver (MORA91), pg. 27) enfatizando a idéia como sendo a mola propulsora da criação artística. Apoiava-se na matemática como instrumento conceitual para realizar tais idéias e concentrava suas preocupações nos problemas da linguagem. Esta era considerada como o fator estruturador que possibilitava atribuir aos signos novas significações ao desloca-los de seu contexto. (zz ver (MILL92), pg. 151 e 152)
Nessa época o país se industrializava, se atualizava tecnologicamente e a proposta desenvolvimentista empolgava a sociedade que ansiava e ainda anseia pela modernização. O questionamento entre o novo e o velho era constantemente investigado. A mutação e a ruptura permanente tornaram-se metas e criaram um ambiente intelectual formado por grupos de pessoas que tinham em comum o horror à estagnação.
Assim, na busca inquieta do novo, com uma voracidade antropofágica e uma criatividade exuberante, os artistas concretos buscaram "ultrapassar as limitações provincianas", (zz ver (MILL92), pg. 19) procurando "liberar significações, propor condições de apropriações diversificadas delas e, principalmente, gerar possibilidades para a elaboração de novas significações". (zz ver (FABB94), pg. 8 e 152)
Procuro mostrar meu entusiasmo, sem constrangimento, assumindo as influências que absorví dos artistas concretos e neo-concretos brasileiros. Centro-me, no entanto, nos dois artistas que, em minha opinião, são os mais radicais: Waldemar Cordeiro e Lygia Clark. Estes dois artistas levaram a seus extremos a "aventura da razão", a aventura do sentir, a aventura do ser livre, assim como a aventura de contactar o "fluxo imagístico do inconsciente". (zz ver (MILL92), pg. 34 e remeter para o tópico PERCURSOS)
Waldemar Cordeiro foi um artista radical, polêmico e polemizador, cujo trabalho era pautado por princípios próprios, pelo rigor lógico, pela auto-disciplina e por uma racionalidade capaz de incorporar o "programa" e a "desordem". Suas estruturas aleatórias são campos probabilísticos e transformáveis que incorporam o espectador que é estimulado a delas participar. (zz ver (BELL86), pg. 27)
Em 1968 Cordeiro iniciou a série BEABA realizando operações combinatórias através do cálculo de probabilidades por meio de programas computacionais, gerando palavras ao acaso. No ano seguinte, criou o primeiro trabalho de arte digital ou computacional no Brasil, denominado "As Derivadas de Uma Imagem", suplantando o atraso técnico dos computadores existentes naquela época através de um "enorme esforço artesanal". (zz ver (BELL86), pg. 32 e 33)
Explorou processos aleatórios pesquisando a definição de imagens criadas por meio de dígitos em impressoras matriciais, passando posteriormente a trabalhar com traçador gráfico ("plotter") de quatro cores.
A arte digital ou computacional foi chamada por Cordeiro de "ARTEÔNICA". Nela as linguagens artificiais são utilizadas através de programas que permitem ao ser humano fazer com que as máquinas executem, com rapidez e eficiência, tarefas que poderiam consumir toda uma vida para sua realização. Assim, o artista pode experimentar grande número de variações de uma mesma composição visual ou sonora, ampliando sua sensibilidade e seu repertório.
Ainda hoje é preciso clareza, disciplina e método para conceber e realizar trabalhos intermediados por computador, embora já seja possível brincar. No entanto, na época de Cordeiro a descrição exata das diversas etapas, juntamente com a formulação lógica e clara dos objetivos a serem alcançados era absolutamente imprescindível. Apesar do enorme trabalho artesanal envolvido, pois as instruções eram fornecidas ao computador por meio de cartões perfurados, o grande número de combinações obtidas por Cordeiro já dava para antever a revolução que se anunciava e que de fato poderia vir a possibilitar a aventura que se delineava como sendo uma aventura da razão.
Lygia Clark por outro lado ampliou, como nenhum outro artista brasileiro contemporâneo, as fronteiras da experiência sensorial. Anarquista e radical, Lygia emaranhava vida e obra num processo transformador que resgatava a poesia. Integrava assim, o artista, a obra e o fruidor. O artista se expressava, o objeto seduzia e o fruidor experimentava ampliando os limites de sua sensibilidade e revivendo sensações adormecidas na memória do seu corpo. Recuperava dessa maneira, o prazer de agir e de transgredir e o privilégio de criar. (zz ver (MILL92), pg. 30, 31, 94 e 96)
Lygia deixava-se invadir pelo inconsciente num jogo de submissão e liberação que lhe dava "insigths", "percebendo a potencialidade transformadora do imaginário posto em ação". (zz ver (MILL92), pg. 32 à 34) Ela movia-se pela "necessidade de abrir espaços (e) criar situações onde o ser possa exercitar sua liberdade". (zz ver (MILL92), pg. 35)
Seus "objetos relacionais" permitem a elaboração das percepções através de um processo de transformação que restitui aos fruidores sua corporalidade. Os fruidores tornam-se o foco dos trabalhos. O interesse desloca-se da obra que permanece, para a inovação que se processa a partir da proliferação combinatória dos signos. Proliferação esta que acontece através das experiências sensoriais e que produz modos de conhecimentos não convencionais naqueles que vivenciam tais objetos.
Depois de penetrar nos "objetos relacionais", onde as experiências sensoriais são amplificadas e desvelam sutilezas de sons, de texturas, de tensões e de interações, nada mais me parece revolucionário.
Fico a perguntar quais sensações poderíamos despertar no mundo virtual das simulações computadorizadas, que ainda privilegiam muito o olhar, e
que não poderiam ser vivenciadas de outra maneira. Será possível explorar os limites dos sentidos em ambientes computacionais, tecendo sensações interpessoais, que propiciem experiências coletivas com virtualidades de outra maneira improváveis? Qualquer coisa menos ousada desmereceria essa pesquisadora do sensorial e mensageira do devir que nos precedeu.
Lygia integrou a arte brasileira no contexto internacional. Deu-lhe certas características decorrentes da entrega a um sentir libertador que leva o indivíduo a entrar em contacto com seu corpo e com o corpo do outro e não pela utilização de aspectos folclóricos da cultura brasileira. Lygia fez da poesia visual e da criação um estado existencial que conduz à sensibilização interpessoal transformadora.
ARTE CONCEITUAL
A arte deste século caracterizou-se pela experimentação sensorial em todos os níveis, culminando, na década de 60, com a experimentação autotélica com as próprias idéias, tendências e conceitos que surgiam no campo artístico, reoperando-os.
Marcel Duchamp em 1917 declarava estar "mais interessado nas idéias do que no produto final": "a arte como idéia". (zz ver (STAN91), pg. 182 e 183) Ao expor em Nova Iorque o trabalho denominado "A Fonte" (um mictório) e os objetos industriais existentes (os "ready made"), Duchamp inaugurou o questionamento irreverente sobre o estatuto do objeto artístico. Depois desse fato o ato criativo foi reduzido "à decisão singular, intelectual e largamente aleatória de chamar "arte" a este ou aquele objeto ou atividade". (zz ver (STAN91), pg. 182) Desde então arte passou a ser tudo aquilo que os artistas, os críticos de arte e os teóricos da arte decidiram chamar de arte.
Partindo dessa premissa a arte conceitual vai atrair os artistas que se propunham a investigar a poética do pensar visual através de propostas de criações mentais. Eles baseavam-se na exploração de conceitos, de processos e de situações significantes. As idéias tornaram-se a matéria prima dos artistas que as reoperavam incessantemente, sempre exigindo a participação ativa do espectador. Inúmeros experimentos reelaborando aspectos sensoriais, conceituais, cinéticos, cibernéticos, entre muitos outros foram realizados.
Embora a diversidade de tendências dentro dessa corrente seja enorme (arte processual, arte do corpo, arte da terra, arte performática, arte de informação, etc) o que as congregou foi a extrema preocupação com a linguagem utilizada, que muitas vezes tornava-se material e tema dos trabalhos realizados.
Por mais radicais que tenham sido, as propostas conceptualistas não eliminaram o objeto artístico, nem o mercado de arte. Entretanto elas serviram para expandir sua flexibilidade, possibilitando transformar quaisquer signos em signos artísticos para com eles experimentar, criando outros signos. Os significados, assim desmaterializados, foram renovados, revitalizados, existindo apenas como processos admiráveis de transmutação, proliferação e obsolescência dos repertórios sígnicos.
MINIMALISMO
No movimento minimalista, como no construtivismo e suprematismo, os objetos artísticos caracterizaram-se pela ausência de referências líricas, ideológicas ou literárias. (zz ver (MORA91))
Os artistas minimalistas procuravam buscar a vivência da sensação em si mesma como fenômeno a ser experimentado, explorando sutís variações sensoriais. Eles tentavam transcender os limites de sua própria individualidade, libertando-se da auto-representação e da representação do mundo imediato que os cercava. Para atingir essa meta eles delimitavam conjuntos redutores de alternativas, criando condições para a vivência de todas as possibilidades combinatórias que se poderia experimentar com os conjuntos delimitados.
A qualidade da sensação, a ser vivenciada, era exacerbada pelos artistas minimalistas através da repetição de formas, da sombra projetada, da dimensão ou do arranjo inusitado de certas configurações. O espectador por sua vez era confrontado com inumeráveis reorganizações sutís de conjuntos de variações combinatórias. O artista brasileiro Almir Mavigner, por exemplo, cria pequenas diferenças de textura e de sombreamento, provocando a disposição aleatória de volumes similares de tinta espessa que são dispostos com extremo rigor sobre a tela.
Os artistas minimalistas negaram toda e qualquer representação decorrente de sua subjetividade imediata. Reduziram seu repertório a um número mínimo de estruturas básicas que repetiam reiteradamente, incorporando pequenas variações. Esgotavam assim as relações pertinentes entre tais elementos que eram definidos previamente.
Os artistas minimalistas buscaram apresentar, no sentido de desvelar, os elementos componentes de suas obras: os materiais que utilizavam, o suporte que empregavam para o trabalho, as relações que estabeciam, as forças naturais e cósmicas com as quais lidavam. Todos os elementos perderam seu caráter representacional, passando a ser eles mesmos os objetos de conhecimento e de reflexão através da repetição exaustiva do maior número possível de pequenas variações combinatórias.
Quando somos colocados frente à frente com variações minimalistas sobre uma única forma, uma única cor, uma seqüência sonora, ou mesmo sobre um material qualquer da natureza que passa então a constituir-se numa entidade singular, somos súbita e intensamente confrontados com o impacto decorrente da sensação que essa entidade provoca em nós no momento de sua apreensão.
Um bom exemplo, entre os inúmeros trabalhos de artistas que pertenceram a este movimento, é o livro do artista plástico Sol Lewitt entitulado "Lines in Two Directions and in Five Colors on Five Colors with all their Combinations". (zz ver (LEWI89)) Como seu nome já explicita, este livro trás um conjunto de todas as combinações de linhas em duas direções e cinco cores, sobre superfícies em cinco cores. Ao folheá-lo somos confrontados com a riqueza das variações obtidas pelo artista e com nossa própria capacidade de detectar padrões tão sutís de variações.
ARTE CINÉTICA
Nesta corrente as relações espaço-temporais foram explicitadas pela exploração do movimento levado até suas últimas consequências. O estudo do movimento passou a ser o foco consciente da extensa pesquisa realizada.
O eixo das pesquisas deslocou-se da busca individual para a pesquisa grupal. Proliferaram os grupos de pesquisa: Grupo de Pesquisa em Artes Visuais (GRAV), Grupo N, Grupo Zero, Grupo T, Grupo Nouvelle Tendance entre muitos. (zz ver (BRETT68) e (POPP68)) Todos utilizaram intensivamente os meios tecnológicos desenvolvidos pelo sistema industrial de produção e os novos materiais por ele produzidos. O ponto comum às diversas manifestações centrou-se na tentativa de trazer o movimento dinâmico para o campo das artes visuais.
O movimento sempre esteve presente nas configurações visuais estáticas produzidas anteriormente; apresentou-se em sequências narrativas como nos arcos de triunfo; ou mesmo esteve apenas virtualmente presente nos temas ou nas atitudes características de situação de movimento. É impossível negar na "Vitória de Samotrácia" a presença marcante do voo.
No entanto, o movimento estudado pela arte cinética caracteriza-se como resultado do deslocamento de algo no espaço por um período de tempo conhecido. Este tipo de movimento passou a ser o foco consciente da extensa pesquisa realizada. Muitos conceitos empregados pelos artistas cinéticos podem ser encontrados nas novas geometrias.
Traduziram a geometria em máquinas construídas como uma extensão do homem, com qualidades ergonômicas, e estabeleceram com elas uma perfeita interface. Utilizaram também os conhecimentos astronômicos e atômicos, formulando com eles novos enigmas, expressando as novas cosmologias através de metáforas.
Vários são os artistas atentos às descobertas de seu tempo. Gostaria de destacar Júlio le Park, do Grupo de Pesquisas em Artes Visuais, e Nicolas Shoeffer, cujas produções caracterizaram-se pela constante experimentação. Eles incorporaram no seu trabalho tanto os novos materiais (aço, alumínio, plásticos), como o dinamismo essencial da civilização contemporânea e de sua ciência.
As palavras de Shoeffer caracterizam bem sua postura teórica: "L'introduction de l'indétermination superposée aux structures ouvre une étape nouvelle dans l'evolution des concepts que régissent les fondements de l'art...Rigueur plus indétermination égalent l'infini. Toute ouverture de formes est provoquée par la catalyse de ces deux contraires"(zz ver (HABAsd)).
Em suas pesquisas Shoeffer continuou a desenvolver as posturas de artistas construtivistas como Naum Gabo e Nicholas Pevsner. Colocou a síntese entre o audível e o visível no centro de suas preocupações e tentou unificar estes dois modos de expressão de natureza tão distinta.
Utilizou a idéia magistral de recorrer à cibernética para animar torres escultóricas gigantescas. Pequenos motores incluídos nas obras atuavam junto com o equipamento cibernético . Possibilitaram eles ilimitadas combinações de elementos e introduziram um grau de indeterminação no comportamento cinético da obra. A pesquisa realizou-se com a colaboração do engenheiro François Terny da Philips.
A aplicação cibernética abriu enormes perspectivas para as artes visuais. A introdução do elemento temporal em obras animadas permitiu a incorporação do espaço e do tempo como aspectos interdependentes e indissociáveis da realidade.
Anamorfoses óticas foram obtidas através de deformações nas estruturas de base por meio de luzes coloridas e em movimento projetadas sobre elas. Famílias de formas rigorosamente escolhidas e estruturadas foram "abertas" pela introdução de parâmetros diversos que permitiam a recriação perpétua dando à obra um caráter mutável.
Ao incorporar em sua obra a noção de espetáculo urbano Shoeffer realizou o projeto construtivista sonhado por muitos dos artistas que o antecederam. Formas luminosas dinâmicas em torres espaciais gigantescas difundindo música eletro-acústica e poemas eletrônicos afirmaram o caráter distintivo das cidades que as construíram: o sonho de Tatlin realizou-se.
A CONTEMPORANEIDADE E A PROLIFERÇÃO DOS SIGNOS
Abordar a modernidade de modo tão sucinto reduz demasiadamente sua complexidade. É preciso ressaltar que o fenômeno com o qual dialogo é ambíguo e contraditório. Muitos artistas investiram em construir para criar uma nova ordem (zz ver (BRETT68) e (POPP68)), outros procuraram subverter a ordem existente, mostrando o irracionalismo destrutivo e coersor que a permeava (zz ver (BRETT68) e (POPP68)). A coexistência complementar de tais tendências reflete os paradigmas básicos do período.
Em seu conjunto, as diversas tendências que caracterizaram a modernidade, evidenciam a complexidade e a multiplicidade de nossa época. Do ponto de vista do trabalho que realizei, a sistematização, mesmo que sumária, das tendências pelas quais sinto maior empatia permitiu a identificação e a escolha do conjunto das premissas com que tenho trabalhado. A empatia que sinto pelos movimentos artísticos citados levou-me a escolhe-los, entre tantos outros, para com eles dialogar.
Quando as possibilidades de escolha criam número excessivo de conjuntos combinatórios, é preciso selecionar algumas destas possibilidades como ponto de partida. A escolha, entretanto, é apenas estratégica, pois restringir a incorporação de características, inadequadas num dado momento criativo mas adequadas a outros, seria restringir a tão prezada liberdade.
As correntes artísticas escolhidas são pois apenas algumas dentre as inúmeras que coexistiram sincronicamente na modernidade. Muitos artistas transitaram entre elas de acordo com sua vontade, suas convicções, suas crenças, suas ideologias e suas visões de mundo. Eles dilataram as fronteiras cognitivas e perceptuais, esgotando as possibilidades experimentais da realidade factual conhecida.
A compreensão do fenômeno artístico em sua totalidade, como atividade criativa, possibilita-nos ampliar o conceito de arte. Isso propicia a incorporação nele da aventura exploratória decorrente da criação de objetos virtuais imaginários. Esses objetos são capazes de constituirem-se nos futuros repertórios sígnicos da ordem histórica que Jaques Attali denomina de "ordem dos códigos". (zz ver (PESS93), pg. 172/190)
Joseph Campbell, ao estudar comparativamente as mitologias, refere-se a dois tipos básicos de seres humanos: "...o ser humano animal, prático, e o ser humano suscetível de deixar-se seduzir pela beleza divinamente supérflua." (zz ver (CAMP93), pg. 12) Parece-me no entanto, que o maravilhoso fenômeno chamado "vida", ao permitir os mecanismos da reprodução, da interação e da outo-organização, provavelmente mesclou tais tipos humanos.
Talvez decorra dessa afirmação a minha identificação com a esperança utópica dos suprematistas de poder despertar nos indivíduos sensações que os tornem suscetíveis à sensibilidade pura, equilibrada e harmônica.
Tal tipo de sensibilidade parece totalmente supérflua, no mundo agônico das sociedades contemporâneas. Hoje, ainda mais do que na época de Malevich, a violência, a angústia e o conflito transformaram-se em espetáculo crú e explícito. Talvez por isso mesmo sinto ser tão necessário ampliar o espaço para a veiculação dessas poéticas, nas redes hipermidiáticas que constituem os sistemas de comunicação informatizados. Urge começar a construir a paz através do exercício da harmonia, antes que a devastação inconseqüente, as doenças epidêmicas e a guerra se espalhem pelo planeta.
Para Edgard Morin, o pensamento humano é algo de singular que "não reflete o real, ele o traduz, não reflete o mundo, faz uma representação dele." (zz ver (PESS93), pg. 92) As matrizes de mundo congenitamente mapeadas no nosso cérebro são consideradas como sendo as responsáveis pelos modelos de realidade externa que determinam a percepção humana. (zz ver (YOUN68), (LANG72) e (MERL71))
Será possível induzir transformações nessas matrizes, por pequenas que sejam, abalando a visão dualista e determinista de mundo, através da produção no receptor da sensação de harmonia, unidade e totalidade?
Este caráter holístico foi comum a muitas das antigas cosmologias humanas e parece profundamente estabelecido no nosso modelo de mundo, como podemos deduzir pelos inúmeros mitos que chegaram até nós. A fusão dos conceitos de espaço e tempo como características interdependentes passa a constituir, na atualidade, um novo modelo cosmológico que amplia o conhecimento e a compreensão que temos do universo. O espaço e o tempo perderam o caráter que os distinguia e que os caracterizava como duas "instâncias independentes e distintas", sendo hoje concebidos como uma totalidade. (zz ver (SZAM88))
A função da cosmologia hoje, como no passado, continua a ser a de ampliar a nossa compreensão do universo conforme o que dele conhecemos. Ela coloca-nos assim em harmonia com esse universo. A nova dimensão da consciência, que precisamos agora buscar, deriva-se dessa harmonização. Seu propósito é unir o individual, o coletivo e o universal, atuando de modo construtivo e transformador através da modalidade criativa da consciência.
O fenômeno criativo visa fazer emergir a sensação do admirável, possibilitando concretizar a razão criativa humana. Apenas algumas obras de arte produzem admiração irrestrita sem necessidade de explicação. Para Charles S. Peirce, a ciência e arte fazem avançar a razão criativa humana. Para ele, ação, sentimento e criação são dimensões indissociáveis da razão. (zz ver (PEIR90), (SANT92b) e (SANT92a))
A arte torna mais surtis os sentidos humanos, desencadeando sensações e regenerando a sensibilidade. O artista explora, descobre e concretiza as virtualidades que imagina. Visa apenas exercitar a sensibilidade, despertar a curiosidade e a vontade do outro - o receptor - impulsionando-o para a ação.
A arte resgata o universo das possibilidades, provocando no outro uma qualidade integral de apreensão através do ato de admirar. Ela leva a consciência para um estado de disponibilidade esvaziada de tudo que não seja a pura sensação do efeito que a produziu. Assim, dilue as fronteiras entre a qualidade que se apresenta e a reação que produz na mente do receptor. (zz Santaella - notas de aula - A sensação, no sentido pierciano do termo, é o requisito básico para a apreensão da qualidade de algo que se apresenta na mente do receptor, no momento exato em que este toma consciência desse algo e de seu efeito, instantaneamente ao ser este produzido.)
A semiose humana caracteriza-se como sendo a vocação para o conhecimento. (zz Santaella - notas de aula- A semiose é o fio conector que liga todas as coisas no universo e na natureza: as estrelas, as galáxias, os homens, os animais, as plantas, os minerais, assim como a arte, a ciência e a cultura. A semiose é a ação do signo: ação mediada por um propósito, por uma meta; ação que não precisa ser nem consciente nem humana.) Considero que as fronteiras da atividade artística encontram-se hoje junto às simulações ilusórias de realidades imaginadas. Novas realidades podem ser concebidas e experimentadas, contempladas e transformadas. Por sua própria natureza elas são permeáveis à manipulação e à intervenção.
Assim, ao vivenciar as aventuras da razão, do sentir, do libertar e do contactar o fluxo de imagens do inconsciente procuro desbloquear o caminho para o conhecimento desbravando fronteiras do desconhecido.
SIMULAÇÕES ESTEREOSCÓPICAS INTERATIVAS
"A simulação é a arte de explorar um campo de possibilidades a partir de leis formais que são dadas a priori."
Philippe Quéau ((QUÉU86), pg. 118: minha tradução)
Uma hipótese que possibilita a elaboração de situações especulativas muito ricas de possibilidades criativas é a de os conceitos matemáticos apresentarem certo isomorfismo com as matrizes cognitivas do nosso cérebro. Tais possibilidades podem ser exploradas no trabalho artístico sem os limites impostos pela lógica matemática, mesmo quando dela descendem. (zz ver também (SZAM88), pg. 207 a 209)
Como uma "vida" (40) que surge de dentro da vida, defrontamo-nos agora com a proliferação dos signos sobre a face da terra, constituindo um território dos signos. Signos em trânsito que nos levam a considerar que "o próprio tempo tem que ser reinventado." (zz ver (SANT92a), pg. 56 e 65)
SIMULAÇÕES COMPUTACIONAIS
As simulações computacionais criam situações propícias à experimentação. Constituem-se, como observa Edmond Cauchot, num espaço virtual puramente simbólico, muitas vezes utópico em sua hibridização com o real: um universo de informação topológico, adimensional e atemporal.
As simulações existem em estado potencial armazenadas nos arquivos do computador. Elas possuem natureza eminentemente interativa, tanto para o seu criador como para o indivíduo que as manipulará. Elas criam o fato paradoxal de serem reais em sua virtualidade. Elas permitem-nos explorar situações que a razão humana muitas vezes não pode formular utilizando apenas a linguagem verbal. Elas possuem também um tempo autônomo, sem referência ao tempo exterior do mundo real (zz ver (COUC92) e (COUC88), pg. 193 a 198). Elas podem ser até mesmo subdivididas para cálculo paralelo e simultâneo em vários processadores, a partir de um mesmo terminal.
Chamando nossa época de "tempo dos códigos", Jacques Attali considera que "as imagens simuladas por computador tornaram-se o elemento central de nossa relação com o real". A informação, cada vez mais, incorpora-se aos objetos industriais. Uma nova ordem econômica, social e cultural estrutura-se, caracterizando uma sociedade que torna-se cada vez mais "icônica". Apenas "utilizando de maneira criativa" a nova tecnologia computacional, "se poderá forjar uma verdadeira cultura do domínio do tempo, logo, do sentido da vida" (zz ver Jacques Atalli in (PESS93) pg. 172/189)
As simulações computacionais talvez sejam o campo onde certos conjuntos de signos possam aglomerar-se dando origem a outros sistemas complexos: sistemas cognitivos resultantes da prótese do homem com a máquina (zz ver (MACH93a)). Sistemas com um vasto repertório áudio-háptico-visual formado por conjuntos de simulações que estabelecerão novos padrões sensoriais significativos.
Talvez só possamos conceber o universo na medida em que consigamos elaborar simulações matemáticas de realidades prováveis e improváveis. Talvez tal atitude seja a mais conveniente à estrutura do nosso cérebro. Assim Philippe Quéau (zz ver (QUÉA86), pg. 147) caracteriza as simulações computacionais. Fiz de sua dúvida uma premissa (zz mandar para o tópico PERCURSOS) para o desenvolvimento da produção artística realizada.
O físico Géza Szamoszi refere-se às pinturas abstratas do século XX como responsáveis pela ampliação do repertório visual do homem ocidental contemporâneo. Para ele, formas extraordinárias, anteriormente inacessíveis, passaram a fazer parte do acervo visual da sociedade contemporânea, como decorrência da produção de artistas ligados às diversas correntes abstracionistas.
Tais formas puderam desde então ser reconhecidas e reelaboradas pela mente humana. Para ele, tal fato aumentou nosso poder de visualização, poder este que continua crescendo e é fundamental para o desenvolvimento da imaginação e da capacidade dos indivíduos de perceber e raciocinar espacialmente. Ele especula até se, por influenciar o pensamento cognitivo, "a frequência e a finalidade das descobertas das ciências básicas, (...), teriam sido as mesmas se a imaginação visual de nossa sociedade" não houvesse sido tão ricamente ampliada.
Szamoszi conclui dizendo parecer impossível imaginar uma sociedade "que pense o mundo em termos da relatividade e da mecânica quântica" e olhe para ele de "dentro de uma moldura visual do século XIX." Para aquele autor, "as artes visuais dão forma e refletem o espaço em que os seres humanos imaginam o mundo" e "a música tende a formar e espelhar suas noções de tempo." (zz ver (SZMO88), pg. 225, 226, 227)
As simulações baseadas na síntese numérica (41) possibilitam-nos juntar a concepção com seu resultado visível; um pensamento abstrato com uma sensação audiovisual. Poderão até vir a modificar profundamente hábitos anacrônicos de pensamento.
Philippe Quéau constata que "a imagem pode nos ajudar a prever e a conceber. (...) Pela primeira vez na história das imagens pode-se formalizar rigorosamente um ir e vir entre o mundo da linguagem (e não metaforicamente) e aquele da imagem. (...) A simulação permite que os signos matemáticos proliferem automaticamente, podemos mesmo dizer biologicamente: eles constituem então uma espécie de matéria experimental própria a toda sorte de tratamento. (...) A simulação por computador não é portanto apenas um campo de experimentação, ela pode fornecer também a sintaxe e a gramática de novas formas de modelação." (zz ver (QUÉA86), pg. 29, 31, 123, 148: minha tradução)
As técnicas de síntese numérica são totalmente concebidas por linguagens computacionais, denominadas linguagens artificiais. As simulações resultam ou da manipulação formal dessas linguagens, ou de estruturas lógico-matemáticas. Tanto aquelas como estas são articuladas em arquivos descritivos onde são estabelecidos os procedimentos e os atributos formais e ambientais que serão traduzidos, pelo programa computacional, em objetos simulados.
A experiência que é vivenciada diretamente pelos sentidos, através das simulações, é estranhamente uma experiência conceitual objetivada numa entidade visual tridimensional e táctil. Pode parecer um paradoxo falar em experiência direta quando tal vivência é intermediada por linguagens computacionais que organizam matematicamente as possibilidades experimentais vivenciadas. No entanto, os objetos visuais simulados que são produzidos utilizando tais linguagens nos transportam para o puro domínio da sensação, para o momento mágico da apreensão de uma qualidade.
Para Philippe Quéau com o surgimento das simulações numéricas, a "pura sensibilidade e inefável impressão devem ser baseadas em cálculos. Uma vez a lei subliminar a um trabalho torne-se conhecida, ela é como que extirpada. Assim, por um lado, sem leis o trabalho de arte permanece sem ossatura. Por outro, não deve mostrar seu esqueleto." (zz ver (QUÉA91), pg. 75, 76: minha tradução)
A distinção entre simulação e realidade fenomenal pode ser intensificada pelo trabalho artístico. Abrir a brecha entre os fenômenos físicos e os virtuais, desenvolvendo estratégias criativas no mundo simulado, explorando situações sem vinculação ao mundo que chamamos real, é uma das tarefas do artista do futuro.
O artista se relaciona agora com o virtual, com dados numéricos, com funções, com relações e com operações lógicas para construir o modelo flexível de "realidade" que ele venha a conceber. Sua matéria prima é abstrata. Constitui-se de leis conceituais baseadas em interpretações simplificadas das leis físicas que lhe permitem formalizar tal realidade, transformando, como observa Couchot, as verdades científicas " em incertezas da sensibilidade" (zz ver COUC92).
A própria concepção do modelo conceitual dos objetos simulados, que se realiza por meio de "scripts"(zz remeter para o exemplo de "script"), modifica-se e evolui. Ela se ajusta às exigências de um público cada vez maior, que experimenta os objetos, manipulando os parâmetros e as instruções disponíveis nos "scripts", ou nas interfaces gráficas que permitem manipulá-los.
ESTEREOSCOPIA E IMERSÃO
Quando os objetos simulados são apresentados aos olhos de um observador em pares estereoscópicos ou binoculares, esse observador é "transportado" para o espaço tridimensional do objeto. Sem o enquadramento aprisionante do papel ou do quadro bidimensional, os pares de imagens apresentam-se para o observador como objetos espaciais nos quais se pode parcialmente imergir.
A relação do observador com o fenômeno observado mudou totalmente após o surgimento do estereoscópio (zz ver (BREW71)), no século XIX, como instrumento rudimentar para simulação de tridimensionalidade. A possibilidade de imersão do espectador no ambiente tridimensional observado, suplantou a metáfora da câmara escura até então vigente.
Para o historiador Jonathan Crary, a câmara escura "foi, num certo sentido, a metáfora para a mais racional das possibilidade daquele que percebe, dentro da crescente desordem dinâmica do mundo." (zz ver (CRAR91), pg. 53: minha tradução).
O estereoscópio, mesmo rudimentar, joga o observador dentro do ambiente observado, confundindo suas noções mais comuns de realidade. Esse fato se intensifica com o aprimoramento dos algoritmos computacionais (42) que permitem simular realidades diversas e nelas parcialmente imergir.
Oscilar maleavelmente num universo flexível de multiplicidades, tomando consciência ora de um fato sensível, ora de outro, coordenando nossos esforços perceptivos em diferentes espaços e tempos, apreendendo e transformando a realidade que se apresenta num devir descontínuo de sensações é o que estou chamando de imersão (zz ver (TRAU91), (GOSN91) e (LAUR91)).
A imersão parcial ou total do observador no espaço simulado é obtida através da intermediação de instrumentos periféricos que a viabilizam. (43) As novas condições tecnológicas estão caminhando para o desenvolvimento de uma dinâmica perceptiva baseada no prazer da manipulação formal através do tato, da visão e da audição. Compreender, apreciar, interferir e transformar conjuntos de fatos virtuais múltiplos com o maior número possível de sentidos exigirá talvez o desenvolvimento de novos paradigmas perceptivos e novos padrões de sensibilidade.
Imergir num espaço virtual ilusório é entrar num mundo de formas, cores, sons e movimentos. É participar de um organizar, um desorganizar, um reorganizar e um transformar poético desse espaço, vivenciando suas infindáveis e imprevisíveis possibilidades.
Para Umberto Eco, cabe ao artista de hoje "inventar a regra de sua obra enquanto a faz" (zz ver (ECO86), pg.228), citação que eu completaria dizendo que cabe a ele inventar entidades visuais ilusórias que levem o receptor também a fazer, a reinventar outras regras, a estabelecer outras escolhas, traçando outros percursos, formulando outras questões.
Imerso no campo sensorial pré-definido pelo artista, o indivíduo que o experimenta poderá criar novos conjuntos de relações significantes. Ele ampliará assim o mundo imaginativo que passará a compartilhar. Terá também a oportunidade de aumentar o seu acervo visual, de exercitar sua criatividade e sensorialidade, de desenvolver modos de organizar seu raciocínio lógico e analógico. E pode mesmo vir a aumentar o potencial de suas múltiplas inteligências, ampliando diversas modalidades de consciência.
Por outro lado, para o artista abre-se um campo incrível que lhe permitirá estudar e manipular um gigantesco conjunto de possibilidades projetuais, desvelando novas morfologias. Entre estas possibilidades muitas são impossíveis de realizar-se no mundo dos fenômenos materiais.
Este tipo de atitude experimental está no cerne da produção artística contemporânea e pode agora objetivar-se plenamente através do contato vivo e dialogante com as formas, os sons, as cores e os movimentos. Novas fronteiras se descortinam para as mentes aventureiras dos exploradores da consciência, através de percursos a serem explorados. (zz mandar para PERCURSOS)
TECNOLOGIA E CRIAÇÃO
O modo de pensar, de perceber, de sentir e de atuar do sujeito que vivência tais espaços mudará? Sua sensibilidade será afetada? Será tal processo mais um no meio da massificação e banalização da cultura de massas?
Não tenho respostas a estas perguntas. Elas provavelmente dependerão do como a sociedade apropriar-se-á dessas novas tecnologias.
O desenvolvimento de uma nova tecnologia cria as condições para o desenvolvimento de uma forma diferente de fazer sensível e expressivo. Se olharmos para trás, ao longo da história humana, constataremos que, geralmente, as tecnologias de produção caracterizaram muitas civilizações, determinando a estética, o referencial ideológico e o repertório formal e simbólico próprios a cada período.
Nossa capacidade de inventar formas restringe-se ao conhecimento que advém das tecnologias já ultrapassadas. É preciso pois exercitar novos repertórios para atingir-se o domínio de novas possibilidades de invenção, de descoberta e de exercitação da sensibilidade que as novas tecnologias nos proporcionam.
As diferenças que constatamos entre os processos tradicionais de criação artística e os computacionais dão-se na quantidade, rapidez e complexidade da informação que o artista tem à sua disposição; na organização do raciocínio espaço-visual através do uso recursivo, automatizado e inteligente dos procedimentos que utiliza; e no exercício de liberdade imaginativa e expressiva que ele se disponha a realizar. No entanto, com o desenvolvimento das técnicas de simulação essas diferenças poderão aumentar consideravelmente.
REALIDADE, IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO
Nosso conceito de realidade passa portanto por uma enorme ampliação. A teoria quântica, baseada em experimentos realizados recentemente, "reintegra o observador no centro do palco". A realidade é aquilo que "está intimamente ligada à nossa percepção do mundo - à nossa presença como observadores conscientes." (zz ver (DAVI87), pg. 12) Realidade não é mais apenas o que existe materialmente em nossa volta, mas é algo cuja existência concreta parece ser o resultado das nossas percepções. (44)
Por outro lado, a memória de um computador, ao ser intermediada por linguagens e traduzida por imagens em uma tela de monitor, transforma-se num campo de experimentos sensoriais onde podemos viver ilusões, formular hipóteses visuais, experimentar com essas hipóteses e inferir conjuntos de novas e infindáveis possibilidades de estruturação do espaço tridimensional e seu acontecer no tempo. Philippe Quéau resume tal concepção com a frase poética: "as máquinas nos condenam a descobrir o novo." (zz ver(QUÉA86), pg. 106).
Andrea Balzola constata a respeito da imagem digital que "a tentação naturalista (...) de reprodução (mais que) perfeita do real representa uma dispendiosa abordagem técnica e um limite criativo, até porque, com a eletrônica digital, se objetiva um novo salto de qualidade e de consciência na interação entre pensamento e matéria." (zz ver (ARIS90), pg. 156)
A ação das leis físicas (como, por exemplo, a gravidade) que atuam sobre a matéria, impossibilitam a experimentação no mundo dos fenômenos físicos de inúmeras possibilidades de configurações tridimensionais imaginárias. Através da imaginação sempre foi possível romper os limites do real, mas agora torna-se exeqüível a imersão participativa em configurações utópicas do imaginário.
Assim, ao criar formas e espaços para serem vistos estereoscopicamente no computador fui impelida a conceber amplos espaços que se caracterizam por "paisagens" inesperadas. Construir simulações de objetos tridimensionais, experimentando sensorialmente com o material imaginado, manipulando conceitos como espaço, tempo e gravidade foi, até pouco tempo, possível como atividade conceitual. A materialização de tais objetos imaginados só podia realizar-se através do processo de feitura manual de perspectivas desses espaços. Esse tipo de perspectiva, além de demandar muito tempo para sua feitura, não permite a imersão ou a manipulação dos objetos concebidos.
Com o desenvolvimento da computação gráfica (45), que automatiza os procedimentos manuais repetitivos, são muitas as possibilidades projetuais que podem agora sair do mundo da nossa imaginação. Tais possibilidades podem ser transformadas em objetos que existem virtualmente, objetos que podem ser sentidos sensorialmente, objetos em cuja realidade virtual e ilusória podemos imergir e interagir.
O observador encontra-se pois frente a uma outra realidade em si mesma, uma realidade em evolução, virtual e ilusória, que lhe permite vivenciar os objetos simulados através de sensações visuais cujas intensidades assemelham-se àquelas decorrentes das experiências vividas no mundo fenomenal. (zz ver (LIPT82), (JULE71), (JULE88), (BREW71), (CAVA85), (POGG88), (FRIS90) e (FOLE90))
INTERATIVIDADE
Do ponto de vista pessoal, é plausível começar agora a procurar compreender o que ocorre quando delimito um campo experimental a partir do qual posso, ou elaborar hipóteses expressivas e especulativas desenvolvendo o repertório que crio, ou abrir esse campo ao fruidor desse trabalho, para que esse sujeito possa também participar, em alguma instância, do processo de criação.
Penso que é provavelmente a primeira vez na historia humana em que cogitamos em interagir quase que instantaneamente, partilhando experiências sensoriais tridimensionais, com um outro indivíduo.
O raciocínio através de formas tridimensionais até agora tem sido uma das "caixas pretas" cuja complexidade não ousamos abordar. No futuro, este raciocínio poderá talvez ser estudado em sua lógica própria, abrindo mais um campo sensorial a ser para explorado.
Levar o espectador a participar do trabalho do artista tem sido um dos objetivos dos movimentos artísticos da segunda metade deste século. No entanto, fazer dele um co-criador, alguém que compartilha intensamente do prazer e responsabilidade de perceber, de criar, de tomar decisões e de escolher só é possível no mundo virtual das simulações. Temos, portanto, um "lugar da sensação e da imaginação" onde podemos experimentar com o espaço e o tempo.
Para compreender como realizar tais interações é necessário lembrarmos que tal possibilidade se tornou possível com o desenvolvimento das interfaces gráficas de usuários (GUI - graphical user interfaces). Pierre Lévy situa a interface como sendo o dispositivo comunicacional que opera a passagem entre o movimento e a metamorfose, efetuando "operações de transcodificação e de administração dos fluxos de informação. (...) Uma interface homem/máquina designa o conjunto de programas e aparelhos materiais que permitem a comunicação entre um sistema informático e seus usuários humanos." (zz ver (LÉVY94), pg. 176)
As interfaces gráficas têm sido concebidas de modo a incorporar conhecimentos específicos, relacionados com a automatização das tarefas repetitivas que podem ser realizadas pela máquina. Como o próprio nome indica, essas interfaces baseiam-se num conjunto de elementos gráficos programados, os quais são gerenciados pelo sistema operacional do computador. Esses elementos automatizam as tarefas repetitivas, sem que os usuários que utilizam as interfaces estejam cientes do modo como se processam as informações.
Embora sejam diversos os tipos de interfaces gráficas, existem certos componentes comuns à maioria delas:
1. Um sistema de janelas criadas através de um conjunto de ferramentas de programação e comandos que definem as janelas, os menus e os quadros de diálogo que aparecerão na tela do computador, sem que o usuário precise escrever o conjunto de instruções que permitem ao computador executar esta ou aquela tarefa;
2. Um modelo visual no qual as fontes, os elementos gráficos e sua organização na tela do computador são definidos;
3. Uma interface programada de aplicativo (API - application program interface) que é a maneira como o programador especifica os elementos gráficos que aparecerão na tela (ícones, barras deslizantes, jogos, etc), colocando um conjunto de escolhas previamente selecionadas à disposição do usuário;
4. O uso de dispositivos apontadores, como por exemplo o "mouse", a caneta ótica, as luvas com sensores ("data gloves"), a esfera ("space ball") para entrada de dados em seis direções do espaço (frente/trás, esquerda/direita e acima/abaixo). Esses dispositivos permitem ao usuário indicar e escolher comandos em menus, programas e arquivos representados por ícones por meio de gestos que são digitalizados.
É uma dessas interfaces gráficas, denominada POWERFLIP e desenvolvida pela Silicon Graphics, que possibilitou a elaboração das simulações estereoscópicas interativas que crio e com as quais os usuários podem interagir. A interface tem como dispositivo apontador o "mouse". Os objetos criados podem ser movimentados por meio de translação, rotação, aumento ou diminuição de escala ("zoom"), operações que são atribuídas aos diferentes botões do "mouse". A distância do observador em relação a cena observada pode ser manipulada através das setas do teclado. A escolha das luzes (cores), a característica da superfície do objeto, o tempo de atualização dos quadros no monitor ("motion blurr") ou os efeitos atmosféricos simulados, como por exemplo a neblina ("fog"), são realizados através de menus. Essa interface acompanha o sistema operacional das estações de trabalho da Silicon Graphics.
Com o desenvolvimento da tecnologia computacional e com o aprimoramento das diversas interfaces gráficas, o número de interações por unidade de tempo tem se tornado cada dia maior, permitindo uma comunicação mais direta e eficiente entre o usuário e a máquina.
Os modos de interatividade ampliam-se, refinam-se e complexificam-se à medida que os dispositivos interativos multisensoriais proliferam:
1. Os óculos estereoscópicos em geral ("gogles") possibilitam a imersão parcial do usuário no ambiente tridimensional virtual;
2. Os instrumentos captadores de comando vocal permitem ao usuário dizer os comandos vocalmente;
3. Os dispositivos apontadores com sensores para entrada de dados, digitalizam os gestos e os movimentos dos usuários como por exemplo a caneta ótica o "mouse", o "joystick", o "spaceball" e a tela sensível ao toque ("touch screen");
4. Os dispositivos periféricos para visualização dos dados processados pelo computador, com simultânea captura de novos dados de entrada, como por exemplo o movimento da cabeça, do corpo, ou a tensão das mãos do usuário, possibilitam a imersão desse usuário no ambiente tridimensional virtual. Como exemplo temos:
4.1. Os capacetes com monitores de vídeo ("head mounted display");
4.2. As roupas com sensores captadores de informação áudio-háptico-visual ("data suit") que possibilitam ao usuário imergir inteiramente no ambiente virtual com o qual ele interage;
4.3. As luvas com sensores digitalizadores de tensão das mãos, permitindo ao usuário sentir a consistência do objeto virtual que pega ("data gloves") (zz ver (RHEI92) e (PIME93)).
A interatividade enriquece a relação do indivíduo com a máquina, permitindo-lhe com ela dialogar. A atividade compartilhada entre o indivíduo e a máquina permite àquele exercitar sua habilidade seletora, sua criatividade e sua capacidade de tomar decisões.
Anne-Marie Duguet destaca que a interatividade dos novos sistemas levará a uma profunda mudança tanto do estatuto da representação, como das nossas relações com as imagens. Estas passam agora a existir como imagens dinâmicas em constante metamorfose e transformação, imagens a solicitar do observador uma intensa atividade perceptiva (zz ver (DUGU92).
APLICAÇÃO ARTÍSTICA
A visão binocular, desde o surgimento do estereoscópio, vem sendo objeto sistemático de pesquisa em áreas do conhecimento como neuro-fisiologia, psico-fisiologia, visão computacional, visualização científica, animação por computador e computação gráfica. Na última década, entretanto, tais pesquisas se intensificaram visando aplicar esse conhecimento para a criação de interfaces gráficas computacionais mais amigáveis e interativas. Assim, os usuários que lidam com dados representados tridimensionalmente podem obter a visualização desses dados com maior facilidade e precisão.
À medida que aumentaram as frequências de operação dos circuitos eletrônicos tornou-se possível intercalar, em ínfimas frações de segundos (1/60 a 1/120 de segundo), nos monitores de vídeo, as imagens do par estereoscópico. Hoje, com o auxílio de óculos adequados, estes pares podem apresentar-se aos olhos quase que simultaneamente, levando-nos a sentir frente às simulações estereoscópicas a nítida ilusão de tridimensionalidade.
Estudos atuais têm mostrado a factibilidade da televisão estereoscópica. Os sistemas domésticos de televisão "stereo-ready" que estão sendo pesquisados poderão ser implementados em canais de televisão a cabo, não necessitarão de mudanças no sistema de emissão de sinais que utilizam os padrões NTSC e PAL e poderão ser acoplados nos monitores existentes a custos cada vez mais baixos. (zz ver (LIPT94), pg. 28 e 29)
Nesses sistemas somos atirados dentro do espaço tridimensional simulado, ou melhor dizendo multidimensional, uma vez que existem inúmeros outros parâmetros que podem ser mostrados como cor, sombreamento, permanência da imagem em movimento deixando seus rastros no monitor ("motion blur"), embaçamento da imagem ("fog") além dos movimentos diferenciados que se processam no tempo.
Entrar dentro do trabalho do artista é uma nova forma de experiência, um novo modo de perceber, de conhecer, de aprender, de comunicar e de criar, visando o aprofundamento dos níveis de sensibilidade e a amplificação da inteligência e consciência humanas. O espaço e o tempo mesclam-se nessas simulações onde o observador passa a participar e a experimentar as alternativas definidas a priori pelo artista, as quais esse observador, por sua vez, completa ou modifica.
Estas formas de experiência amplificam a nossa capacidade de perceber e de estabelecer conexões. Pelo tipo de trabalho que desenvolvo, interessa-me os diversos raciocínios utilizados na concepção e organização do espaço tridimensional.
Construo entidades expressivas para serem vistas e experimentadas por outrem. Considero ser provável que a próxima amplificação que ocorrerá na consciência do ser humano atual será a de poder exercitar suas capacidades criativas e sua sensibilidade conjuntamente com muitos outros indivíduos.
É bom ressaltar que o interesse por tal tipo de experiência não me faz desconsiderar os outros tipos de sensibilidade, ou ainda considerá-los menos relevantes. Por possuir maior familiaridade com o raciocínio tridimensional sinto-me, no entanto, mais capaz de utilizá-lo na produção e sobre ele realizar algumas reflexões teóricas.
O modo de experimentar que estou chamando de tridimensional está intrinsecamente ligado com nossas capacidades de perceber, de transformar essas percepções e de criar outros espaços, ou outros objetos, ou mesmo reelaborar representações de objetos conhecidos a partir do acervo da nossa memória. Este acervo nos possibilita exercitar a imaginação sem a presença de estímulos externos.
Howard Gardner desenvolve a teoria da existência de múltiplos tipos de inteligência: a inteligência linguística, a inteligência musical, a inteligência lógico-matemática, a inteligência espacial, a inteligência cinestésica relacionada com a sensação de movimento do corpo e a inteligência pessoal.
Para ele, a inteligência espacial decorre de uma gama de capacidades como: "reconhecer instâncias do mesmo elemento, (...) reconhecer a transformação de um elemento em outro, a capacidade de conjurar imagens mentais e então transformá-las" (zz ver (GARD85), pg. 176: minha tradução).
Junto dessas capacidades, podemos acrescentar a habilidade de efetuar todos os cálculos que realizamos diariamente sem termos disto consciência: ao atravessarmos uma rua, ao ultrapassarmos um carro numa rodovia, ou mesmo ao escolhermos o percurso que teremos que percorrer para irmos de um lugar a outro.
Raciocinar tridimensionalmente, concebendo entidades visuais e elaborando maneiras para concretizá-las, é atividade que exige imaginação e alto teor de criatividade. Ao repassar para a máquina as tarefas mecânicas e tediosas libertamos nossa mente para que ela possa concentrar-se no estabelecimento de relações e conexões que caracterizam o fazer criativo: um sonho humano há muito acalentado.
Durante o processo criativo, as sensações, no início, como que flutuam num mar indiferenciado de impressões fugidias. Aos poucos, um processo analógico começa a ocorrer. Relações variadas começam a estabelecer-se, conjuntos de possibilidades relacionais agregam-se: formas emergem fazendo nascer novas configurações espaciais. (zz ver também (SZMO88), pg. 225, 226 e (HADA54))
Os programas de computador que possibilitam a síntese de objetos tridimensionais, simulando sua tridimensionalidade plena e seu movimento, devem fomentar tal processo criativo. Eles geralmente possuem um conjunto de formas, de cores, de operações e de transformações básicas para serem manipulados. Estes conjuntos são articulados de inúmeras maneiras, durante a modelagem dos objetos.
Após esta modelagem, define-se o "mundo" onde tais objetos existirão, com quais outros objetos interagirão e quando o farão, os modelos de iluminação a que estarão sujeitos, os tipos e cores das luzes que incidirão sobre eles e as características de suas superfícies como, por exemplo, a cor e a textura. A cor final de um objeto dependerá das características da superfície desse objeto, da sua cor e da cor e tipo das luzes que sobre ela incidem. Assim por exemplo, se sobre um objeto cinza claro incide uma luz vermelha escura intensa e uma luz verde do tipo "spot", o objeto ficará vermelho, sendo que a área sobre a qual incide a luz verde ficará amarelada ou alaranjada, dependendo da intensidade relativa das luzes verde e vermelha.
(zz No exemplo abaixo temos primeiro uma luz vermelha mais intensa e de maior abrangência e uma luz verde pontual, tipo "spot", menos intensa. O resultado da interação dessas duas luzes sobre uma superfície cinza claro traduz-se numa superfície aparentemente vermelha com uma área alaranjada mais clara:
light 0.7 0.2 0.2 extended 30 0.0 10 25
light 0.0 0.55 0.0 point 0.5 -0.5 0.0)
O estudo do movimento desses objetos, das transformações a que estão sujeitos, do som que os acompanha se for o caso, da definição dos tipos de "lentes" e do movimento das "câmaras" utilizadas são atividades que podem ser definidas pelo autor tanto de modo interativo, como através de um texto verbal, ou ainda intercalando estes dois tipos de atividades.
A definição do ambiente onde se situa um objeto, no programa RAYSHADE, por exemplo, não é interativa. Nele é preciso definir através de um "script" a quantidade das reflexões a que os raios de luz estarão submetidos, a posição do observador, a orientação da cena através da direção dos vetores que posicionam os eixos coordenados, a separação entre os olhos do observador (dada como uma proporção da posição do observador), o tipo de "lente" da "câmara virtual" definindo sua abertura, a resolução da imagem a ser finalizada, a cor do fundo, as luzes que atuam no ambiente criado, as características das superfícies dos objetos presentes na cena, a geometria dos objetos e finalmente as transformações geométricas a que estão submetidos.
(zz Exemplo de "script" de um objeto no programa RAYSHADE:
maxdepth 2 quantidade das reflexões a que os raios de luz estarão submetidos
eyep 0 5 12 a posição do observador
lookp 0 0 1 a orientação da cena através da direção do vetor que posiciona os
up 0 1 0 eixos coordenados
eyesep 0.6 a separação entre os olhos do observador
fov 72 54 o tipo de "lente" da "câmara virtual" definindo sua abertura
screen 1024 768 a resolução da imagem a ser finalizada
background 0.0 0.0 0.0 a cor do fundo
as luzes que atuam no ambiente criado
light 0.01 0.0 0.5 (cor) point (tipo) 0.0 0.5 -0.5 (posição)
light 0.7 0.2 0.2 (cor) extended (tipo) 30 0.0 10. 25. (posição)
light 0.0 0.55 0.0 (cor) point (tipo) 0.5 -0.5 0.0 (posição))
as características das superfícies dos objetos presentes na cena
surface s1 /* mirror */(nome da superfície)
ambient 0.01 0.01 0.01 (proporção de luz ambiente que atua sobre a superfície)
diffuse 0.05 0.05 0.05 (proporção de luz difusa que atua sobre a superfície)
specular 0.9 0.9 0.9 (proporção de luz especular que atua sobre a superfície)
specpow 200 (granularidade da superfície)
reflect 1.0 (proporção de luz refletida que atua sobre a superfície)
grid 40 40 40 (malha definindo a região a ser amostrada pelo programa durante o cálculo)
a geometria do objeto
name t
definição de um toro oco, com raio da diretriz igual ao da geratriz
difference
torus 1.0 1.0 0. 0. 0. 0. 0. 1.
torus 1.0 0.95 0. 0. 0. 0. 0. 1.
end
name t0
definição do toro criado na etapa anterior cortado por um paralelepípedo
difference
object t
box 0. -2. -2 2. 2. 2.
end
name t1
definição de outro corte no toro criado na etapa anterior por outro paralelepípedo
difference
object t0
box -2. -2. -2. 0. 0. 2.
end
name no
definição de um objeto formado pela união de vários objetos do tipo do objeto criado na etapa anterior e devidamente transformado (rotacionado e redimensionado)
list
object t1
scale 0.618 1. 1.
object t1
rotate 0 0 1 -90
object t1
rotate 0 0 1 -180
scale 1. 1.618 1.
object t1
rotate 0 0 1 -270
scale 1.618 1.618 1.
end
name fatias
definição de um objeto formado pela união de vários paralelepípedos ocos
list
difference
box -2.20 -2.20 -2. 2.20 2.20 2.
box -2.00 -2.00 -2. 2.00 2.00 2.
end
difference
box -1.78 -1.78 -2. 1.78 1.78 2.
box -1.58 -1.58 -2. 1.58 1.58 2.
end
difference
box -1.36 -1.36 -2. 1.36 1.36 2.
box -1.16 -1.16 -2. 1.16 1.16 2.
end
difference
box -0.94 -0.94 -2. 0.94 0.94 2.
box -0.74 -0.74 -2. 0.74 0.74 2.
end
difference
box -0.52 -0.52 -2. 0.52 0.52 2.
box -0.32 -0.32 -2. 0.32 0.32 2.
end
end
name fatias1
definição de um objeto formado pela união de vários dos objetos criados na etapa anterior, devidamente transformados, e que formará o objeto que será subtraído do objeto final
list
object fatias
scale 0.309 0.5 1.
translate -0.618 1. 0.
object fatias
scale 0.809 0.809 1.
translate -1.618 -1.618 0.
object fatias
scale 0.5 0.5 1.
translate 1. 1. 0.
object fatias
scale 0.5 0.809 1.
translate 1. -1.618 0.
end
name no1
definição do objeto final subtraído do objeto criado na etapa anterior e que determinará a textura do primeiro
difference
object no
object fatias1
end
definição da superfície do objeto e as transformações geométricas finais a que ele está submetido
object s2 no1
translate 0.309 0. 0.
scale 3. 2.4 2.4
end)
Já no caso dos "scripts" dos objetos criados com o aplicativo YAODL é preciso definir apenas a geometria do objeto. O ambiente onde ele se situa e o algoritmo de iluminação que o programa utiliza é alocado dentro do próprio computador, o que torna possível manipulá-los em tempo real. As luzes e as características das superfícies serão escolhidas pelo usuário, a partir da interface gráfica POWERFLIP. Esta interface, como foi dito anteriormente, coloca à disposição desse usuário um conjunto de alternativas para definição dos materiais, das luzes, das transformações e da opção de visualização estereoscópica através de óculos de cristal líquido entre outras.
(zz Exemplo de "script" realizado para o aplicativo YAODL e de vídeos mostrando tais escolhas
definição dos vértices de um conjunto de tetraedros que formam um anel
aro = (group
v = (vertices -0.27 0.15 0.03
-0.27 0.15 -0.03
-0.255 0.141 0.0
-0.096 0.141 0.0
0.0 0.0 0.03
0.0 0.0 -0.03
0.0 -0.015 0.0
0.135 0.21 0.0
0.18 0.15 0.03
0.18 0.15 -0.03
0.174 0.141 0.0
0.255 0.141 0.0
0.225 0.075 0.03
0.225 0.075 -0.03
0.216 0.066 0.0
0.126 0.066 0.0
0.27 -0.03 0.03
0.27 -0.15 -0.01
0.255 -0.141 0.0
0.084 -0.141 0.0
0.0 -0.15 0.03
0.0 -0.15 -0.03
0.0 -0.30 0.0
-0.039 -0.24 0.0
0.0 -0.15 0.03
0.0 -0.15 -0.03
0.015 -0.141 0.0
-0.2555 -0.141 0.0
-0.135 0.075 0.03
-0.135 0.075 -0.03
-0.126 0.066 0.0
-0.216 0.066 0.0),
definição dos índices que determinam a ordem com que os vértices do conjunto de tetraedros serão traçados
i = (indices 0 1 3, 0 2 3, 1 2 3,
3 4 5, 3 4 6, 3 5 6,
4 5 7, 4 6 7, 5 6 7,
7 8 9, 7 8 10, 7 9 10,
8 9 11, 8 10 11, 9 10 11,
11 12 13, 11 12 14, 11 13 14,
12 13 15, 12 14 15, 13 14 15,
15 16 17, 15 16 18, 15 17 18,
16 17 19, 16 18 19, 17 18 19,
19 20 21, 19 20 22, 19 21 22,
20 21 23, 20 22 23, 21 22 23,
23 24 25, 23 24 26, 23 25 26,
24 25 27, 24 26 27, 25 26 27,
27 28 29, 27 28 30, 27 29 30,
28 29 31, 28 30 31, 29 30 31
31 0 1, 31 0 2, 31 1 2),
definição do tipo de poligonal (poligonal indexada) que forma os objetos e as cores dos seus vértices
arco = (indexpolygons v, i : colors
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0),
definição das transformações que sofre cada um dos aneis que compõem o objeto final
arco, (group arco : (rotates 360.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 180.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.00 0.0 0.0)),),
aro, (group aro : (rotates 10.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 5.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.228 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 20.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 10.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.492 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 30.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 15.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.610 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 40.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 20.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.776 0.0 0.0)),
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)
À medida que articula essa linguagem, o artista começa a estabelecer seu repertório formal e expressivo. Como foi dito na APRESENTAÇÃO considero o repertório como sendo o conjunto de todas as possíveis escolhas que um artista estabelece no decorrer de seu trabalho. Podemos chamar a esse conjunto de escolhas de eixo paradigmático, eixo este que estamos acostumados a chamar de estilo do autor. Esses dois conceitos, estilo e autor, provavelmente se mostrarão inadequados para avaliar experiência prática aqui analisada.
Nas simulações tridimensionais sintetizadas, temos o espaço, a luz, a forma, a textura, o som, o ritmo, a intensidade, a metamorfose, a seriação flexível e a velocidade como sendo os "materiais" específicos da expressão artística (zz ver (EISE90), (KULE47), (METZ80) e (ANDR89)).
A prática formativa de simular objetos virtuais, criando campos espaciais programados que nos possibilitam experimentar com o acaso e a regra, agora incorpora o usuário, o até então chamado espectador, no processo de criação. Esse usuário é convidado a participar ativamente da aventura experimental, partilhando as realidades sensoriais, visuais, tácteis e auditivas imaginadas pelo artista. Isto é, as realidades transformáveis, caracterizadas como campos, onde conjuntos de leis proposicionais predeterminadas são colocados à sua disposição, permitindo-lhe compartilhar da aventura mutacional e interminável de transformação dos objetos tridimensionais no campo dos acontecimentos virtuais.
Bachelard constata no livro "Novo Espírito Científico" que, "o possível de algum modo aproximou-se do real; retomou um lugar e um papel na organização da experiência." Encontramos "o real como um caso particular do possível." (zz ver (BACH68), pg.55). Possível que podemos agora delinear como campos experimentais que exploraremos, cuja dinâmica vivenciaremos e cujos fenômenos resultarão das relações que estabelecermos e imaginarmos.
O artista deste final de século pode, portanto, começar a pensar em criar "campos de acontecimentos", (zz ver (ECO 86), pg.219) onde inúmeras operações predefinidas são colocadas à disposição do receptor para que ele possa com elas interagir espontaneamente. A realização complementar entre a regra e acaso, até agora consideradas como atitudes dicotômicas, podem ser reconsideradas e retomadas como atitudes complementares.
Para Karl Sims - o criador de ambientes evolutivos baseados em leis biológicas - o acaso tem um papel importante no processo de criação de suas simulações de evoluções interativas. Esse papel difere fundamentalmente daquele que se exerce ao realizar um conceito visual predeterminado (zz ver (SIMS93)). No tipo de realização mostrada neste documento, o acaso está relacionado com os processos mentais do autor dos "scripts" e não intrinsecamente vinculado à natureza da obra criada, como no caso dos ambientes evolutivos de Sims.
Combinar objetos e estabelecer relações, selecionando e articulando os elementos imaginados, possibilita-nos criar com eles novas entidades espaciais. Os espaços que assim emergem são resultados poéticos, como uma música constelada em ambientes espaciais. As experiências projetadas poderão colocar os indivíduos em situações criativas, ou mesmo formular outras possibilidades que ainda não consigo antever dado a juventude de tal tecnologia.
O desafio que defrontarei no futuro será ir ainda mais além, concebendo e criando espaços inteligentes, espaços que apresentem comportamentos próprios ou tenham atitudes, espaços que respondam a estímulos, espaços cuja geometria seja manipulada pelo usuário, espaços onde as formas também serão geradas, manipuladas e se comportarão a partir de leis e procedimentos inventados.
A evolução que se delineia, na área das artes, será talvez comparável com a que ocorreu no final do século passado e que possibilitou a exploração de formas, cores, materiais, sons e movimentos como realidades em si mesmas, independentes das representações do mundo material. Realidades que permitirão ao indivíduo aprender e ainda desenvolver suas capacidades sensoriais, criativas, cognitivas e expressivas.
VISÃO BINOCULAR ESTÉREO
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
O fenômeno da estereopsia ou visão estereoscópica é o fenômeno que nos permite vivenciar a sensação da profundidade dos objetos tridimensionais, possibilitando-nos organizar as duas imagens retinianas de um mesmo objeto numa sensação de visibilidade "sem objeto".(zz M. Merleau-Ponty ver (MERL75), pg. 282 e 294)
A estereoscopia, visão binocular ou visão em profundidade resulta do fato de cada olho captar uma imagem ligeiramente diferente do mundo observado. Esta diferença entre as duas imagens captadas pelos dois olhos é denominada disparidade ou paralaxe binocular. A fusão na mente desse par de imagens produz a sensação de tridimensionalidade (zz ver (ARNH83)).
Tal fenômeno tem sido conhecido desde a antigüidade. Estéreo deriva do grego stereós, que significa sólido, firme. Euclides em seu "Tratado de Ótica" já relacionava o que era visto por cada olho com a distância relativa entre os mesmos. Euclides chegou mesmo a formular diversos teoremas onde estabeleceu um método para construir-se diferentes projeções de uma esfera, quando vista por um único olho, a partir de distâncias diferentes (zz ver(BREW71)).
Embora não possamos saber ao certo qual o grau de compreensão dos antigos sobre o fenômeno da visão binocular, podemos inferir que Euclides, ao formular seus teoremas, pode ter estado consciente deste fenômeno como resultando da fusão das duas imagens dissemelhantes em uma única unidade perceptiva.
Muitos outros pensadores antigos abordaram o fenômeno da visão binocular. Citarei apenas aqueles que contribuíram para a subseqüente compreensão do fenômeno. O físico Galen, quinze séculos atrás, descreveu-o de maneira tal que sua descrição serviu para ampliar a compreensão que dele se tinha até então. No início do século XIX o cientista David Brewster formulou a lei da visão binocular baseando-se nessa descrição. Esta lei estabelece que "a figura sólida que vemos com ambos os olhos é composta por duas imagens dissimilares como as que são vistas por cada olho separadamente." (zz ver (BREW71), pg.7).
Embora muitos outros autores, inclusive Leonardo da Vinci, tenham estudado o fenômeno, nenhum deles conseguiu explicar a questão central: "por que" a fusão binocular resultante não é confusa ou desfocada. Esta questão, junto ao "como" duas imagens díspares são vivenciadas como um fenômeno unitário, foram, até o século XIX, mera curiosidade, sem contudo caracterizar-se como um problema central para cientistas e pensadores. (zz ver (CRAR91), pg. 119).
Durante a Renascença, os mecanismos básicos da percepção da profundidade começaram a ser compreendidos e formalizados graficamente através do desenvolvimento da representação gráfica perspectiva. Retoma-se neste período uma ordem visual que havia começado a desenvolver-se na Grécia, no primeiro milênio antes de Cristo.
Os gregos e mais tarde os romanos utilizaram procedimentos geométricos sumários para o estabelecimento de uma ordem visual centrada na noção de representação perspectiva. No entanto, eles não sistematizaram as leis e os procedimentos que permitiriam compreender e reproduzir tal ordem.
Durante a pré-Renascença, os efeitos de espacialidade, profundidade e a sensação de aeração entre as figuras que compunham a pintura começaram a ser entendidos como resultando das relações entre a figura e o fundo. Estes efeitos começaram a ser buscados por Duccio e posteriormente por Giotto (zz ver Couchot (COUC88)).
Os princípios fundamentais da representação perspectiva foram aperfeiçoados por Brunelleschi, que criou um dispositivo ótico capaz de capturar tais projeções. Este dispositivo constituiu-se no primeiro modelo experimental conhecido para a construção exata de perspectivas de ponto central (zz ver (COUC88)). Brunelleschi compreendeu a representação perspectiva como resultado da projeção de um objeto espacial sobre uma superfície plana.
Leo Battista Alberti posteriormente formulou um sistema de procedimentos geométricos enunciando, para os pintores, as bases da perspectiva linear de ponto central por ele denominado ponto cêntrico. Desde então, as leis que regem esta modalidade de perspectiva tem sido consideradas legítimas e mantiveram sua hegemonia até os nossos dias. (zz ver (ALBE92), pg. 89 #.19)
Leonardo da Vinci interessou-se por aspectos da percepção do espaço que transcendiam o campo específico da perspectiva geométrica. Ele ampliou a discussão incluindo aspectos puramente perceptuais na representação do espaço, do relevo e da profundidade dos objetos. Estudou tratamentos visuais adequados para, através das sombras e das cores, captar aspectos subjetivos inerentes à percepção da espacialidade. Suas pinturas são exemplos do emprego desses tratamentos que exploravam a densidade e a umidade do ar para criar a atmosfera de uma cena. (zz ver (PEDR82), pg.37 à 48 e (BREW71), pg. 9)
O sistema que Leonardo denominou perspectiva atmosférica ("aerial") adequava-se às regras da perspectiva linear geométrica. No entanto, ele incorporou aspectos subjetivos da percepção do espaço nas representações perspectivas, distanciando-se do sistema mais voltado aos aspectos quantificáveis que se difundiria nos séculos seguintes.
Os pintores e os arquitetos renascentistas estabeleceram as bases da geometria perspectiva por nós conhecida. Bases que condicionam o modo de ver da nossa cultura criando uma ordem visual que precisa ser bem compreendida.
Descartes e Fermat unificaram a álgebra e a geometria criando a geometria analítica. Geômetras como Desargues, Cantor, Monge, Poncelet, Möebius, Plücker e Klein, entre outros, formalizaram matematicamente a geometria métrica, estabelecendo as bases da geometria projetiva moderna. (zz ver (ADLE58), (ADLE67) e (BOS 85)) Poincaré diz-se tentado a diferenciar estas geometrias escrevendo "que a geometria métrica é o estudo dos sólidos e que a geometria projetiva é o estudo da luz". (zz ver (POIN88), pg.53) A geometria projetiva juntamente com a álgebra vetorial e matricial formam, em grande parte, o corpo teórico que permite o desenvolvimento e a criação do conjunto de algoritmos utilizados em computação gráfica.
O instrumento projetivo utilizado durante o Renascimento como dispositivo auxiliar para o desenho de perspectivas foi a câmara escura. A primeira descrição desse dispositivo remonta ao século XI (zz ver Bassora/Al-Hazen in (COUC88)). Posteriormente, vários historiadores e filósofos constataram a importância da câmara escura como paradigma para a observação do mundo.
Ao analisar a construção histórica da visão, Jonathan Crary aponta este paradigma como tendo permeado o discurso de inúmeros filósofos e cientistas, até o século XIX, quando surgem os primeiros estereoscópios. Para ele, a câmara escura foi muito mais do que um simples dispositivo projetivo, a auxiliar os artistas na elaboração de perspectivas. Ela veio a constituir-se numa "metáfora filosófica", que emergiu no discurso de cientistas como Locke, Decartes, Newton e Leibnitz, caracterizando um tipo de observador e determinando uma maneira de observar o mundo exterior: um observador que via o mundo como um recorte projetado sobre uma tela (zz ver (CRAR91)).
De dentro da câmara escura, o observador tinha uma visão monocular e delimitada do mundo. Seu campo de visão consistia numa tela, no interior da câmara, onde o mundo externo era projetado. O observador, situado dentro da câmara, encontrava-se separado do mundo observado. Assim ele dissecava-o, analisava-o e formulava as leis físicas que atuavam sobre esse mesmo mundo como se dele não fizesse parte. Tal modo de observar, juntamente com a ideologia a ele inerente, possibilitou enormes conquistas científicas. No entanto, quando, no século XIX, surgiram outras hipóteses que exigiam maior versatilidade do processo de pensamento, esta maneira de observar tornou-se anacrônica.
Data do século XVII o aprimoramento da geometria ótica utilizada para a obtenção das lentes de vidro pelo matemático, físico e astrônomo holandês Christian Huygens. A industrialização deste tipo de lente, no século XIX, veio a possibilitar a manufatura das objetivas das primeiras câmaras fotográficas.
Os princípios óticos, tanto das câmaras escuras do século XVI, como das câmaras fotográficas de cinema ou de vídeo do final do século XX são similares (zz ver (COUC88), (CRAR91) e (LIPT82)). A diferença é que os últimos permitem a fixação das projeções dos objetos tridimensionais que nos rodeiam sobre suportes planos - os filmes e as fitas magnéticas. A visão do mundo que chega até nós, através dos aparelhos de televisão, através das telas de cinema e através dos monitores de vídeo dos computadores, são recortes bidimensionais que percebemos como similares às imagens do mundo que nos rodeia. É importante, portanto, abordar tais princípios óticos, mesmo que sumariamente.
É fato aceito, na cultura ocidental, que o tamanho relativo da imagem formada na retina é proporcional à distância relativa do objeto ao olho do observador. Os objetos mais próximos parecem maiores e os mais distantes parecem menores. A compreensão desse fenômeno e sua enunciação geométrica possibilitaram a elaboração do conjunto de leis básicas de construção das perspectiva lineares listadas abaixo:
1. Os objetos diminuem de tamanho à medida que se afastam do observador;
2. Nas posições intermediárias ou em caso de sobreposição o objeto que se encontra na frente pode ocultar o objeto que se encontra atrás dele;
3. Com a perspectiva atmosférica procura-se recriar a densidade e a umidade do ar de uma dada cena, fornecendo ao observador indicações adicionais para que ele possa captar as relações entre os objetos nas paisagens observadas; (zz ver (PEDR82), pg.37 à 48)
4. As luzes projetadas sobre os objetos, modelando-os, e as luzes refletidas por eles informam sobre o volume desses objetos, assim como sobre sua posição em relação a outros objetos, suas texturas e suas cores;
5. As características das superfícies dos objetos, como dureza, solidez, transparência, maleabilidade, fluidez ou vaporosidade são determinadas pelo modo como a luz se reflete nessas superfícies. O observador capta evidências sobre o padrão tridimensional que está sendo representado através do sombreamento da cena representada. Esse sombreamento transmite, também, as informações sobre as variações nas curvaturas das superfícies que compõem os objetos;
6. As proporções relativas entre os objetos informam sobre as suas imensões e sobre a extensão do espaço vazio que os intermedeiam.
Sabe-se hoje, ao observar as pinturas produzidas por outras culturas, que existem maneiras diferentes de representar bidimensionalmente a profundidade dos objetos tridimensionais. Sabe-se também, através do trabalho de inúmeros antropólogos, que certas culturas indígenas têm dificuldade para interpretar as representações visuais em fotos ou pinturas, quando estas representações utilizam os princípios da perspectiva linear geométrica.
Tais fatos levam-nos a refletir sobre a natureza do espaço visual percebido. Por muito tempo foi pertinente para o filósofo indagar sobre a natureza desse espaço. O conceito de espaço é inato nos humanos como um conhecimento que existe a priori na nossa mente, independente da experiência exterior, ou é o resultado do aprendizado?
Alguns matemáticos modernos consideram que a concepção de espaço como sendo um conceito existente a priori refreou por muito tempo o tipo de especulação que acabou levando ao estabelecimento das bases da matemática contemporânea. (zz ver (ADLE58) e (BANC90)).
Após a consolidação da visualidade clássica ou renascentista outros fenômenos visuais continuaram a ser analisados durante a pós-Renascença, finalizando com a descoberta da paralaxe do movimento por Helmhotz. A paralaxe do movimento é um dos fenômenos que se observa quando nos movemos. Por meio dela vemos os objetos próximos de nós entrarem e saírem de nosso campo visual muito mais rapidamente do que aqueles situados à grandes distâncias. A paralaxe do movimento está intimamente relacionada com a fusão binocular estéreo.
Com a unificação da álgebra e da geometria através da geometria analítica inúmeros caminhos abriram-se possibilitando a compreensão e concepção de enorme variedade de espaços físicos, topológicos e simbólicos. A representação perspectiva libertou-se do domínio do ponto central. Perspectiva de ponto central é o tipo de perspectiva construído a partir de apenas um ponto para onde convergem as "linhas de fugas" paralelas à direção do olhar do observador. Outros tipos de representação perspectiva passaram a ser estudados, permitindo sua construção a partir de diferentes "pontos de fuga": um para cada direção do espaço, tomando como referência os três eixos ortogonais entre si.
No século XIX, tornou-se crucial para os cientistas a compreensão dos fenômenos binoculares e de suas bases fisiológicas. A disparidade binocular ou retiniana, também chamada de paralaxe binocular, foi compreendida como sendo o fenômeno em que, para qualquer ponto particular de uma cena, as duas imagens que se formam, simultaneamente, no fundo do olho, diferem uma da outra relativamente à sua posição horizontal. A capacidade do cortex cerebral de fundir as duas imagens bidimensionais, ligeiramente diferentes, em uma única imagem tridimensional, criando a sensação de relevo e profundidade foi então chamada de visão estereoscópica ou visão em profundidade. A percepção resultante foi denominada de estereopsia.
Em 1833, Charles Wheatstone mediu com sucesso a disparidade existente entre as imagens do par binocular. Ele verificou inicialmente que o organismo humano, em condições físicas normais, tem a capacidade de sintetizar diferenças muito pequenas entre as duas imagens que são projetadas nos olhos. (zz ver (CRAR91), pg.118 à 122)
Em 1838, Wheatstone escreveu um artigo sobre a fisiologia da visão e exibiu pela primeira vez o instrumento que chamou de estereoscópio. Com este instrumento, ele reproduziu os corpos sólidos, simulando a presença do objeto físico ou da cena tridimensional, através da união de duas imagens dissimilares em uma percepção única (zz ver (BREW71), pg. 14 à 61). Ele buscou a equivalência completa entre a imagem estereoscópica e o objeto simulado, transformando sua solidez e concretude em pura experiência visual (zz ver (CRAR91), pg. 116 à 128).
Em 1856, a Companhia Estereoscópica de Londres vendeu cerca de meio milhão de visores estereoscópicos em apenas dois anos. (zz ver (CRAR91), pg. 118) No século seguinte, durante a década de 50, muitos filmes foram realizados utilizando este conhecimento, tendo levado ao desenvolvimento de um conjunto de técnicas de filmagem e de projeção. (zz ver (LIPT82)) Apesar da popularidade, não houve, até recentemente, nenhuma tecnologia que respondesse satisfatoriamente à criação de ilusões tangíveis através das simulações da tridimensionalidade.
As dificuldades técnicas envolvidas na criação da ilusão de profundidade são muitas . A geometria subjacente à percepção visual ainda não foi totalmente elucidada. Apenas hoje, com o desenvolvimento de equipamentos periféricos controlados por computadores, podemos voltar a cogitar sobre o desenvolvimento de instrumentos estereoscópicos que possibilitem, com relativa qualidade, a imersão parcial do usuário nas simulações computacionais.
Diversas pesquisas sobre a percepção visual das superfícies e sua representação através de algoritmos computacionais têm se desenvolvido desde o surgimento do estereoscópio. Serão aqui relacionadas apenas aquelas que influenciaram, de alguma maneira, a produção realizada.
Primeiramente temos Gibson que estabeleceu, em 1950, uma hipótese relacionando a percepção das superfícies visuais com as correspondências entre as variáveis de estimulação retiniana através das propriedades espaciais dessas superfícies (zz ver (GIBS56)). Após estudar intensivamente o fenômeno das texturas, quando vistas em perspectiva, Gibson formulou o conceito de "gradiente de texturas". Esse conceito explicita a maneira como as texturas variam com a distância, tornando-se menos detalhadas e mais densas quando vistas de longe.
Gibson estudou também a deformação relativa das texturas sobre os objetos tridimensionais, relacionando tais deformações com o plano que contém os olhos do observador. A deformação ocorre em função da variação, ou da inclinação da superfície, ou do seu grau de curvatura e relaciona-se com a posição do observador. Ele estudou também as variações relativas entre os elementos congruentes nas duas imagens do par binocular. Estas variações dão informações complementares ao cérebro. São elas que permitem aos indivíduos que enxergam com um único olho referenciar-se no espaço tridimensional.
A distância, a profundidade, a orientação, e a consistência material dos objetos derivam das propriedades das superfícies. A percepção do espaço existente entre os objetos depende da impressão fornecida por seus contornos, em contraposição ao pano de fundo geral do local onde se situam; depende também do posicionamento das superfícies entre si. As sensação de espaço decorre das impressões resultantes do posicionamento das superfícies dos objetos numa dada cena somadas às propriedades visuais básicas dessas superfícies. São elas as responsáveis pela caracterização dos objetos. Suas principais propriedades são:
1. A aparência de solidez que resulta da impressão causada pela declividade ou pela curvatura da superfície em relação aos olhos do observador;
2. A variação gradual das densidades das texturas, denominada gradiente, que vai determinar a disparidade relativa entre as duas imagens do par estereoscópio.
Imagine-se, por exemplo, um livro colocado próximo ao observador. Visualize-se o seu plano principal como estando perpendicular ao plano que contém os olhos do observador. As duas imagens desse livro, que serão captadas pela retina, mostrarão uma das duas diferentes capas do livro. Se as capas forem hachuriadas na vertical, o espaçamento entre as linhas possuirá densidades diferentes em cada uma das imagens, em função de sua posição em relação aos olhos do observador.
A partir de uma série intensiva de experimentos semelhantes ao descrito acima, Gibson constatou que o aumento da densidade da textura de uma imagem projetada é proporcional à impressão de declividade dessa superfície. Essa impressão é causada pela variação gradual na densidade das texturas correspondentes. Ele concluiu que a perspectiva das texturas parece ser a base fundamental para a impressão de tridimensionalidade percebida como espaço. Concluiu, também, que a percepção do espaço visual reduz-se à "percepção das superfícies visuais".
Os estudos de Gibson vieram a embasar muitos dos algoritmos utilizados para o mapeamento de texturas em cenas tridimensionais. No caso da presente produção, embora o mapeamento de texturas não tenha sido utilizado, muitas das texturas, criadas através da subtração de sólidos, basearam-se nessas propriedades, visando ampliar a sensação de profundidade dos objetos simulados.
Outro pesquisador que indiretamente influenciou a produção realizada foi Julesz Bella. Ele mostrou a importância do cortex cerebral na fusão das duas imagens do par estereoscópico. Contribuiu assim para a compreensão do fenômeno da percepção da profundidade ou do relevo, explicitando-a através de experimentos com estereogramas de pontos aleatórios. (zz ver (JULE71) e (JULE88)).
Estes estereogramas são pares de imagens de pontos aleatórios, produzidos em computador, com perturbações em determinadas regiões. As perturbações dos pontos não são normalmente detectadas, pois confundem-se no conjunto dos pontos aleatórios. No entanto, quando vistas estereoscópicamnte, elas fornecem ao observador informações sobre a profundidade do objeto representado. Essas informações são expressas por meio de pequenas variações no conjunto de pontos aleatórios. Os estereogramas, em seu conjunto, eliminam toda e qualquer evidência aparente de tridimensionalidade. Quando vistos separadamente eles geralmente não caracterizam padrão algum, parecem apenas imagens comuns de um conjunto de pontos aleatórios. Entretanto, quando vistos estereoscopicamente, deles emerge um objeto tridimensional.
Para estudar o fenômeno da estereopsia, Julesz Bella tornou inoperante o sistema cognitivo do indivíduo. Assim procurou um modo de apresentar-lhe os estímulos visuais, retirando deles todas as evidências familiares, necessárias para o reconhecimento do objeto representado. Quando são vistos monocularmente não há nenhuma informação global que caracterize qual o objeto tridimensional que está subjacente. Apenas quando as imagens são combinadas no cortex cerebral, as indicações fornecidas pela disparidade existente entre os pontos das duas imagens, na região onde se situa o objeto tridimensional, são decodificadas. O padrão tridimensional que emerge, quando os estereogramas são vistos estereoscopicamente, foi denominado, por ele, de imagem ciclópica.
A analogia entre os ciclopes e parte do cérebro onde a maior parte das informações tridimensionais se processam deve-se ao fato de serem os ciclopes criaturas mitológicas não muito espertas, mas com acurada capacidade de discernimento visual. Como as informações são fornecidas ao sistema nervoso central pelos neurônios e são processadas no cortex cerebral e não na retina, Julesz Bella denominou, o cortex cerebral, de mente ciclópica.
Os processos sensoriais periféricos juntam-se aos processos cognitivos mais sofisticados que permitem a elaboração simbólica e que são essenciais para o desenvolvimento das capacidades relacionais que ocorrem no cérebro. Juntos esses processos possibilitam o desabrochar da capacidade de pensar abstratamente. Portanto, ao restringir seu campo de estudos a apenas um tipo de percepção visual humana, Julesz Bella procurou, através dessa simplificação, clarificar alguns dos enigmáticos processos perceptivos que têm resistido aos mais sérios estudos. Tal resistência deve-se às complexas características que são intrínsecas ao processo visual humano.
Os valores aprendidos são introjetados no decorrer dos processos perceptivos, tornando a delimitação entre o fato cognitivo e o fato psico-neuro-fisiológico muito complexa. Junte-se ainda a isto a impossibilidade para os pesquisadores de determinar experimentalmente onde um fenômeno perceptual tem a possibilidade de acontecer. Resulta daí ser muito difícil realizar uma análise objetiva dos fatos, sendo necessário buscar-se artifícios para isolar os diferentes aspectos do conjunto.
Os experimentos com os estereogramas de pontos aleatórios evidenciam que a visão estereoscópica pode ocorrer mesmo na ausência de indicações monoculares explícitas de tridimensionalidade. Evidenciam, também, a habilidade incomum do observador humano para discriminar texturas no mundo tridimensional. Complementarmente, estudos como os de Gibson, anteriormente citados, mostraram que a percepção da profundidade é muito mais intensa quando as evidências monoculares estão presentes e são acentuadas por outras indicações como, por exemplo, a presença das sombras, ou a primazia dos objetos em função de seu tamanho e posição.
Outro pesquisador importante para o estudo da estereoscopia tem sido Lenny Lipton. Ele sistematizou os fundamentos do cinema estereoscópico, além de realizar vários filmes tridimensionais e atualmente desenvolve pesquisa sobre 3DTV (televisão estereoscópica) (zz ver (LIPT94), pg. 28 e 29). Para ele, "as imagens projetadas na retina se conformam mais ou menos com as leis da geometria perspectiva, mas (...) a interpretação mental destas imagens vai muito além de um sistema facilmente codificado" (zz ver (LIPT82), p 156). Destaca ele também que um dos aspectos mais difíceis, no que concerne ao estudo da percepção da profundidade, relaciona-se com a natureza ou geometria do espaço perceptual.
(zz Remeter para o tópico FUNDAMENTOS TEÓRICOS onde é feito um sumário dos principais conceitos científicos deste século. Entre eles a geometria denominada de geometria projetiva métrica, que unifica as geometrias Euclidiana e não Euclidianas: a geometria elíptica de Reimann e a geometria hiperbólica de Bolay-Lobachevsky. Sobre as diferentes geometrias ver (ADLE58) e (POIN88)).
Matemáticos como Luneberg (1948) e Suppes (1977) consideraram o espaço perceptual como tendo natureza geométrica não euclidiana. Luneberg chegou mesmo a formular uma métrica baseada no espaço hiperbólico de Lobachevsky para com ela realizar filmes estereoscópicos. Sua formulação mostrou-se adequada para os espaços fechados dos estúdios de cinema, mas falhou quando foi aplicada à filmagens em espaços abertos (zz ver (LIPT82)). Suppes, por outro lado, considerou o espaço perceptual como sendo elíptico. Suas formulações teóricas mostraram-se perfeitamente adequadas para filmagens fora de estúdios, em espaços abertos, mas falhavam quando utilizadas nos espaços fechados dos estúdios. Já Jonathan Crary considera que o espaço criado no estereoscópio é um espaço reimanianno. (zz ver (CRAR91)). Nenhum consenso foi ainda encontrado e o assunto é um campo aberto para especulações e pesquisas.
Durante os últimos séculos aprendemos como olhar para o mundo que nos circunda a partir do ponto de vista desenvolvido pela perspectiva renascentista. Nos últimos cinqüenta anos este modo de ver se intensificou. A fotografia, o cinema e a televisão mostram imagens bidimensionais do mundo, proliferando esse paradigma. Paralelamente, como que buscando recuperar a sensação da tridimensionalidade perdida, desenvolvem-se os instrumentos mediadores que podem resgatá-la.
Do ponto de vista artístico, pesquisas sobre a natureza do espaço visual perceptivo também têm proliferado. As vanguardas artísticas do século XX muito contribuíram para a desconstrução do chamado olhar renascentista. Tais contribuições, ainda hoje, não se generalizaram numa nova ordem visual radicalmente diferente daquela que herdamos do Renascimento.
No entanto, observo que, lentamente, tal ordem está instituindo-se. Por um lado, parece existir uma tendência à cristalização que torna os indivíduos resistentes à mudança, enquanto, por outro lado, as pressões resultantes das novas descobertas vão ampliando os conceitos, substituindo-os por outros mais amplos. Aos poucos, essas pressões vão rompendo a tendência dos grupos sociais a cristalizarem seus paradigmas e seus hábitos tradicionais de perceber. Vêm corroborar essa observação fatos como o do livro "O Olho Mágico" (zz o livro trata de ilusões 3D criadas através de estereogramas de pontos aleatórios, ver (ENTE94)) estar sendo um dos mais vendidos no Brasil, e o da grande quantidade de vídeos estereoscópicos mostrados no último Simpósio Internacional de Computação Gráfica - SIGGRAPH94, realizado nos Estados Unidos em julho de 1994.
Aprendemos que os objetos no espaço ordenam-se de acordo com um sistema de perspectiva arbitrariamente escolhido. Esse sistema encontra-se introjetado no nosso modelo de visualidade, tornando muito difícil sua avaliação objetiva. A pintura, neste século, ao desestruturar todo o sistema renascentista de representação, possibilitou a tomada de consciência das limitações que tal sistema nos impunha e ainda nos impõe, pois toda a midia o emprega intensivamente. Também encontraremos tal modo de representação embutido em todos os aplicativos de computação gráfica tridimensional e nos instrumentos periféricos de visualização binocular estéreo hoje existentes. (zz óculos polarizados, óculos de cristal liquido, capacetes com projetores de vídeo, ver (EKMA94), pg.121 à 130. Estes instrumentos desenvolvem-se paralelamente aos algoritmos de computação gráfica, de simulação estereoscópica, de realidade virtual e de animação intermediada por computador. (46))
Talvez tenha chegado o momento de construir novos sistemas de perspectiva, provavelmente também arbitrários, mas mais abrangentes, que englobem os conceitos desenvolvidos pela matemática e pela física contemporâneas, desvelando para o artista novas possibilidades formais e conceituais a serem manipuladas.
O aspecto mais importante de todas as considerações anteriores é que o artista, que trabalha nos ambientes computacionais, precisa se conformar com os tais sistemas arbitrários e anacrônicos, por não possuir nem o domínio da linguagem computacional, nem os meios técnicos para substituí-los. O espaço perceptivo, cuja natureza parece ser considerada por alguns pesquisadores como sendo não euclidiana, precisa adequar-se às imagens construídas a partir de princípios euclidianos. Fica entretanto aqui uma interrogação sobre até quando os usuários vão ter que adaptar seu espaço perceptivo a tais paradigmas anacrônicos. Esse é provavelmente um dos tópicos de pesquisa que pretendo desenvolver no futuro e que possui característica nitidamente interdisciplinar.
É considerável a quantidade de pesquisas, centradas tanto na investigação do processamento da informação estereocópica nos sistemas biológicos, como nos aspectos computacionais da visão binocular estéreo (zz ver Wildes in (LEIB90)). Teorias abstratas gerais sobre o desempenho e a compreensão da visão embasam tais estudos. Estas teorias são, em geral, concebidas independentemente de como operam os sistemas visuais particulares. Embora seja irrelevante para os cientistas da computação a formulação de teorias abstratas sobre a visão, é sobre o corpo das teorias desenvolvidas nas outras áreas que eles embasam os algoritmos e os testes que implementam. Os princípios gerais descobertos em outras áreas do conhecimento são, geralmente, usados como base dos estudos e dos projetos de sistemas visuais específicos. A característica interdisciplinar é portanto inerente ao próprio objeto pesquisado.
As tecnologias emergentes para a produção de imagens estão criando novos modelos de visualização, que provavelmente virão a se constituir em novos paradigmas perceptivos. Certamente, por muito tempo ainda, persistirão as formas novas e as antigas no nosso modo de ver. No entanto, as novas formas que têm emergido no século XX provavelmente produzirão uma reconfiguração irreversível nas relações entre o observador, que se situa no mundo real percebido, (zz ver (CRAR91)) e o fenômeno simulado, que é captado por observadores virtuais cuja ótica podemos manipular.
Os novos modos de simulação poderão vir a estabelecer outra ordem visual, substituindo o modo de representação tradicional. Tais modos de simulação situam-se no terreno cibernético e eletromagnético, onde os elementos visuais resultam da operacionalização de um conjunto de dados, intermediados por equações matemáticas que, por sua vez, são operadas por estruturas lógicas e linguísticas.
As imagens transformam-se no meio utilizado para comunicar, informar ou provocar diretamente uma impressão visual sensível, fornecendo as informações sobre o espaço virtual simulado, sua forma, sua estrutura, sua cor, sua iluminação e sua localização. Na realidade tudo é luz expressa como forma, como aparência, como textura. A imagem ultrapassa a dimensão da representação visual pictórica e transforma-se na reprodução mesma de aspectos do pensamento visual expresso. Não é uma ilustração ou uma tradução de um pensamento verbal, mas ganha o estatuto de expressão direta de um modo de pensar.
COMENTÁRIOS
1. A estereoscopia, visão binocular ou visão em profundidade é o fenômeno resultante da fusão, no cortex cerebral, do par de imagens dos objetos projetados na retina. Essas imagens constituem uma unidade perceptiva e produzem na mente a sensação de profundidade (zz ver (JULE71)) que é também denominada estereopsia.
2. As operações booleanas com sólidos são operações de união, subtração e intersecção realizadas sobre conjunto de sólidos definidos como primitivos. O tipo de geometria que possibilita tais operações denomina-se geometria construtiva sólida ou CSG (zz ver (FOLE90), (GOME90) e (MARS87)).
3. "Ray tracing" é um algoritmo empregado em computação gráfica que utiliza para finalização das cenas apenas os raios de luz que partem de uma câmara virtual e chegam até os objetos representados e não todos os raios da cena. (zz ver (FOLE90) e (GOME90))
Entende-se por algoritmo "uma maneira sistemática de efetuar uma determinada tarefa ou resolver determinado problema", de tal maneira que se possa "chegar a um certo resultado por meio de um número finito de manipulações explicitadas sem ambigüidade". (zz ver (RUEL93), pg. 186)
4. Interação em tempo real é aquela na qual o usuário recebe do computador uma resposta ("out put") frações de segundos após ter ele fornecido algum tipo de dado ("in put") ao computador. No presente trabalho, o conjunto de opções para entrada de dados é oferecido ao usuário através da interface gráfica denominada POWERFLIP.
5. O computador utilizado é um super-computador da Silicon Graphics (SGI), modelo Power Series, com 256 megabytes de memória RAM e 256 megabytes de memória virtual, com sete gigabytes de disco e sete processadores paralelos; os objetos sintetizados menos complexos podem ser manipulados em estações de trabalho Indigo2 com 64 megabytes de memória RAM. O aplicativo utilizado foi o YAODL e a interface gráfica o POWERFLIP, ambos desenvolvidos pela Silicon Graphics para a apresentação de seus demos.
6. W3 ou WWW (World Wide Web) é uma rede de informação criada pelo CERN (European Particle Phisics Laboratory) na Suiça. Ela surgiu como um "local" de comunicação, de aprendizado e de trabalho onde o conhecimento pudesse ser compartilhado democraticamente, meta ainda longe de ser atingida. A rede está expandindo-se como um novo espaço de negócios, como um campo fecundo para o desenvolvimento das tecnologias da informação e como um espaço virtual para divulgação cultural.
A W3 utiliza estrutura de dados em forma de árvore, possibilitando diferentes modos de organização e de descoberta de informação. O sistema possui um protocolo para transferência eficiente de informação hipertextual (HTTP) que é montado sobre o protocolo para controle de transmissão utilizado pela INTERNET (TCP-IP). Ele inclui diversos outros protocolos de transmissão em uso como o FTP (file transfer protocol) e o NNTP (network news transfer protocol). (zz ver (VETT94), pg. 49 à 57 e (BERN94), pg. 76 à 82).
7. O MOSAIC é uma interface gráfica amigável para navegação na rede WWW ou W3 (World Wide Web). Ele facilita a comunicação e permite incorporar no texto informações audiovisuais como sons, imagens, animações e vídeos. A rede W3 é atualmente a maior rede com informações multimídia disponível na INTERNET. O MOSAIC funde técnicas de descoberta de informações, organizando os dados num documento hipertextual de domínio público.
8. Linguagens de "scripts" são linguagens próximas do inglês natural e possibilitam aos usuários que não são programadores aprendê-las em curtos períodos de tempo. Essas linguagens traduzem as instruções do usuário para as instruções complexas que o programa gerenciador das simulações manipula (zz ver (PIME92), pg. 287).
Exemplo de "script" de objeto animado criado para ser processado pelo programa RAYSHADE:
1. Definição dos parâmetros que caracterizam o "ambiente" geral onde se situa o objeto simulado:
maxdepth 1
eyep 0 5 10
lookp 0 0 1
up 0 1 0
eyesep 0.9
fov 72 54
screen 1024 768
background 0.0 0.0 0.0
2. Definição das luzes que atuam no ambiente:
light 0.7 0.0 0.0 extended 50 5. 5. 35.
light 0.7 0.4 0.0 extended 50 -5. 5. 35.
light 0.0 0.4 0.6 point -1.5 -0.5 -1.0
light 0.0 0.3 0.5 point 1. 0.5 1.0
3. Definição de características de superfícies para aplicá-las nos objetos:
surface s1 /* mirror */
ambient 0.01 0.01 0.01
diffuse 0.1 0.1 0.1
specular 0.9 0.9 0.9
specpow 200
reflect 1.
surface s2
ambient 0.02 0.02 0.02
diffuse 0.8 0.7 0.7
specular 0.9 0.9 0.9
reflect 0.5
specpow 200
surface s3
ambient 0.01 0.01 0.01
diffuse 0.5 0.3 0.3
surface s4
ambient 0.02 0.02 0.02
diffuse 0.9 0.7 0.7
grid 40 40 40
4. Descrição da geometria do objeto:
name t0
difference
torus 1.0 1.0 0. 0. 0. 0. 0. 1.
torus 1. 0.95 0. 0. 0. 0. 0. 1.
end
name t1
difference
object t0
box -2. 0. 2. 2. 2. -2.
end
name t2
difference
object t1
rotate 1 0 0 180
box 0. 0. 2. 2. 2. -2.
end
name t3
difference
object t2
box -1. -1. 1. 1. 1. -1.
rotate 0 1 0 45
translate 0. 0. 1.4142
scale 1.05 1. 1.
end
name cil
list
cylinder 1. 0. -0.025 0. 0. 0.025 0.
disc 1. 0. -0.025 0. 0. -1. 0.
disc 1. 0. 0.025 0. 0. 1. 0.
end
name cap
list
object t1
scale 1. 1.618 1.
object t3
object t3
rotate 0 1 0 180
object cil
rotate 0 0 1 90
translate 0. 1. 0.
end
name fatias
list
difference
box -2.20 -2.20 -2. 2.20 2.20 2.
box -2.00 -2.00 -2. 2.00 2.00 2.
end
difference
box -1.78 -1.78 -2. 1.78 1.78 2.
box -1.58 -1.58 -2. 1.58 1.58 2.
end
difference
box -1.36 -1.36 -2. 1.36 1.36 2.
box -1.16 -1.16 -2. 1.16 1.16 2.
end
difference
box -0.94 -0.94 -2. 0.94 0.94 2.
box -0.74 -0.74 -2. 0.74 0.74 2.
end
difference
box -0.52 -0.52 -2. 0.52 0.52 2.
box -0.32 -0.32 -2. 0.32 0.32 2.
end
end
name text1
list
object fatias
scale 0.309 0.5 1.
translate -0.618 1. 0.
rotate 0 0 1 (-time)
object fatias
scale 0.809 0.809 1.
translate -1.618 -1.618 0.
rotate 0 0 1 (-time)
object fatias
scale 0.5 0.5 1.
translate 1. 1. 0.
rotate 0 0 1 (-time)
object fatias
scale 0.5 0.809 1.
translate 1. -1.618 0.
rotate 0 0 1 (-time)
end
name cap1
difference
object cap
object text1
end
object s2 cap1
scale 3. 1.618 3.
end
Exemplo de "script" de um objeto interativo criado para o aplicativo YAODL
definição dos vértices de um conjunto de tetraedros que formam um anel
aro = (group
v = (vertices -0.27 0.15 0.03
-0.27 0.15 -0.03
-0.255 0.141 0.0
-0.096 0.141 0.0
0.0 0.0 0.03
0.0 0.0 -0.03
0.0 -0.015 0.0
0.135 0.21 0.0
0.18 0.15 0.03
0.18 0.15 -0.03
0.174 0.141 0.0
0.255 0.141 0.0
0.225 0.075 0.03
0.225 0.075 -0.03
0.216 0.066 0.0
0.126 0.066 0.0
0.27 -0.03 0.03
0.27 -0.15 -0.01
0.255 -0.141 0.0
0.084 -0.141 0.0
0.0 -0.15 0.03
0.0 -0.15 -0.03
0.0 -0.30 0.0
-0.039 -0.24 0.0
0.0 -0.15 0.03
0.0 -0.15 -0.03
0.015 -0.141 0.0
-0.2555 -0.141 0.0
-0.135 0.075 0.03
-0.135 0.075 -0.03
-0.126 0.066 0.0
-0.216 0.066 0.0),
definição dos índices que determinam a ordem com que os vértices do conjunto de tetraedros serão traçados
i = (indices 0 1 3, 0 2 3, 1 2 3,
3 4 5, 3 4 6, 3 5 6,
4 5 7, 4 6 7, 5 6 7,
7 8 9, 7 8 10, 7 9 10,
8 9 11, 8 10 11, 9 10 11,
11 12 13, 11 12 14, 11 13 14,
12 13 15, 12 14 15, 13 14 15,
15 16 17, 15 16 18, 15 17 18,
16 17 19, 16 18 19, 17 18 19,
19 20 21, 19 20 22, 19 21 22,
20 21 23, 20 22 23, 21 22 23,
23 24 25, 23 24 26, 23 25 26,
24 25 27, 24 26 27, 25 26 27,
27 28 29, 27 28 30, 27 29 30,
28 29 31, 28 30 31, 29 30 31
31 0 1, 31 0 2, 31 1 2),
definição do tipo de poligonal (poligonal indexada) que forma os objetos e as cores dos seus vértices
arco = (indexpolygons v, i : colors
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0
0.5 0.0 0.0 0.5 0.10 0.0 0.5 0.2 0.0),
definição das transformações que sofre cada um dos arcos que compõem o objeto final
arco, (group arco : (rotates 360.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 180.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.00 0.0 0.0)),),
aro, (group aro : (rotates 10.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 5.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.228 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 20.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 10.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.492 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 30.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 15.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.610 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 40.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 20.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.776 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 50.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 25.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.906 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (scales 1.2 1.1 1.0), (rotates 60.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 30.0 1.0 0.0 0.0),(translates 1.000 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (scales 1.3 1.2 1.1), (rotates 70.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 35.0 1.0 0.0 0.0),(translates 1.056 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (scales 1.4 1.3 1.2), (rotates 80.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 40.0 1.0 0.0 0.0),(translates 1.073 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (scales 1.6 1.5 1.3), (rotates 90.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 45.0 1.0 0.0 0.0),(translates 1.049 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 100.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 50.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.986 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 110.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 55.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.985 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 120.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 60.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.750 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 130.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 65.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.735 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 140.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 70.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.689 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 150.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 75.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.616 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 160.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 80.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.516 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 170.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 85.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.393 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 180.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 90.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.250 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 190.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 95.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.092 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 200.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 100.0 1.0 0.0 0.0),(translates 0.184 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 210.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 105.0 1.0 0.0 0.0),(translates -0.205 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 220.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 110.0 1.0 0.0 0.0),(translates -0.354 0.0 0.0)),
aro, (group aro : (rotates 230.0 0.0 0.0 1.0), (rotates 115.0 1.0 0.0 0.0),(translates -0.593 0.0 0.0)),
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9. Os óculos para visualizar a profundidade diretamente do monitor do computador são formados por lentes de cristal líquido que alternadamente deixam passar a luz e a bloqueiam. Eles permitem a visão alternada de cada uma das imagens do par estereoscópico. Estas imagens são alternadamente apresentadas no monitor do computador. As duas imagens são então captadas pelos olhos. Os estímulos são conduzidos ao cortex cerebral onde são fundidos numa mesma unidade perceptiva produzindo a sensação ilusória de profundidade. A alternância realiza-se em altas frequências (120 Hz) possibilitando ao observador uma imersão parcial no espaço observado.
10. Grafo linear é aquele através do qual se representa arranjos de objetos discretos finitos através de pontos ou vértices conectados por linhas. (zz ver (RABU92), pg. 1 à 2 e (PENR93), pg. 158) Por exemplo, os diversos espaços da edificação a ser projetada pelo arquiteto são representados por pontos que se interligam por linhas. Estas linhas representam as conexões prioritárias entre esses espaços, estabelecendo-se assim qual é o arranjo mais apropriado para a estruturação funcional dos espaços que estão sendo projetados.
11. Grafo planar topológico é aquele que pode ser desenhado através de planos sem que haja cruzamento de suas arestas (zz ver (RABU92), pg. 127). O grafo topológico representa conexões e não dimensões. Ele pode resultar da transformação de um grafo linear através do desdobramento de cada ponto desse gráfico numa superfície bidimensional elástica. Essa superfície elástica tem por fronteiras as linhas que anteriormente conectavam os pontos do grafo planar. Dessa forma, se os pontos do grafo linear representavam os espaços da edificação que estava sendo projetada, agora eles se transformam numa representação bidimensional e amorfa, uma quase planta baixa, do conjunto desses espaços.
12. Hipermídia é a mídia decorrente da articulação não linear de documentos, possibilitando leituras diversificadas e interativas dos textos escritos (hipertextos), vinculando-os com imagens (fixas e em movimento), sons, músicas e textos oralizados, combinando-os todos num terminal de computador.
13. A visão binocular resulta da fusão, no cortex cerebral, do par de imagens do objeto que é captado pelos olhos e projetado na retina. Este par de imagens é denominado par estereoscópico. As imagens constituem, após sua fusão, numa unidade perceptiva, produzindo na mente a sensação de tridimensionalidade. No caso dos objetos simulados é preciso criar as condições para que a fusão ocorra, ou pela convergência dos olhos visando transformar as duas imagens em uma única, ou pela utilização de artefatos intermediários que venham a facilitar essa fusão.
14. Imagens anaglíficas são imagens compostas simultaneamente pelas duas imagens do par estereoscópico, sendo uma delas colorida com a cor ciano e a outra com a cor magenta. Quando a imagem é vista através de óculos que possuam uma das lentes na cor azul e a outra na cor vermelha, as imagens, com cor oposta à cor da lente, são percebidas diferentemente por cada um dos olhos. Os diferentes estímulos retinianos são conduzidos ao cortex cerebral onde são fundidos, criando a sensação de profundidade do objeto tridimensional percebido. A impressão resultante é a de estar na presença de um objeto tridimensional visto em branco e preto.
15. Ver comentário número 4.
16. Ver comentário número 6
17. Ver comentário número 7
18. Ver comentário número 12
19. O ponto de partida é a tela denominada "Home Page" que congrega os usuários de um nó local, permitindo o acesso à folha de rosto do usuário. Esta vincula-se ao nó local por meio de um localizador chamado URI (Uniform Resource Identifier). Este localizador é vinculado a um índice que, por sua vez, vincula-o a outros usuários do nó local (um departamento em uma universidade por exemplo), aos nós globais (outras universidades) ou a servidores (grandes bibliotecas, por exemplo). Existiam, em maio de 1994, cerca de 829 servidores no planeta. (zz ver (BERN94), pg. 80)
20. Os filtros polarizadores são colocados nas lentes de cada um dos projetores de "slides" que projetarão as imagens do par estereoscópico. Os espectadores, por sua vez, utilizam óculos com lentes também polarizadas. Os filtros e lentes polarizadores colimam a luz em planos perpendiculares entre si. A luz colimada pelos filtros passa através das lentes dos óculos, permitindo apenas a visão de uma das imagens por cada olho. Os diferentes estímulos retinianos são conduzidos ao cortex cerebral onde são fundidos, resultando na sensação denominada estereopsia ou visão em profundidade (zz ver (BREW71)). Os filtros polarizadores preservam a cor dos objetos mas parte da luz se perde no processo de filtragem.
21. Ver comentário número 14.
22. Os estereoscópios de espelho foram construído para mostrar fotos dos pares estereoscópicos. Embora aparentemente muito diferentes dos estereoscópios de espelho desenvolvidos por Wheatstone no século XIX eles baseiam-se nas mesmas leis e princípios por ele utilizados.
23. O estereoscópio de lentes foi criado no século XIX por Brewster e desde então tem sido o dispositivo mais amplamente conhecido e utilizado para criar sensação de profundidade de objetos tridimensionais ilusórios (zz ver (CRAR91) e (BREW71)).
24. Ver comentário número 20.
25. "NURB" é a denominação simplificada dada a certa família de curvas cuja principal característica é serem elas curvas racionais não uniformes tipo "splines" de Bezier ou "B-Splines".
"Splines" são curvas que, ou se aproximam, ou passam por um conjunto de pontos denominados pontos de controle. A concordância entre os diversos segmentos que compõem a curva realiza-se a partir de certas restrições na continuidade da sua curvatura. Estas restrições garantem a suavidade na passagem de um segmento a outro. Os diversos tipos de restrições e de algoritmos que podem ser definidos vão determinar o tipo da curva: "splines" simples, "splines" de Hermite, "splines" de Kochanek, "splines" de Bezier ou B-"splines", "splines" de Catmull-Rom e "splines" quadrimensionais que são utilizadas nas trajetórias de animações computacionais. ( zz ver (WYVI89), pg. 154 à 164)
26. Singularidade é a denominação dada a certos pontos de uma curva ou de uma superfície no qual a sua curvatura se torna infinita e as teorias matemáticas existentes não tem ferramentas adequadas para compreendê-las. No caso de fenômenos físicos os pontos são pontos do espaço-tempo nos quais a curvatura desse espaço-tempo se torna infinita. (zz ver (HAWK89), pg. 254, (PENR93), (ADLE58) e (ADLE67))
27. Séries de Fibonacci são aquelas em que, a partir de dois números quaisquer, o número seguinte da série será sempre a soma dos dois números anteriores. Estas séries são, geralmente, logarítmicas.
28. Os conceitos, aqui empregados, de diretriz e de geratriz de objetos tridimensionais são os mesmos utilizados em geometria para o estudo das formas tridimensionais. A diretriz é a direção do eixo estruturador de uma categoria de formas tridimensionais, enquanto a geratriz é a forma bidimensional que lhes dá origem ao percorrer diferentes diretrizes.
29. Processamento de alto desempenho é o tipo de computação no qual o computador recebe os dados que lhe são fornecidos pelo usuário, realiza com eles cálculos intensivos e retorna o resultado desses cálculos devidamente traduzidos para algum código específico, em um curto espaço de tempo. Os tipos de cálculos que serão realizados e os códigos nos quais serão expressos os resultados variam de acordo com os programas utilizados. Para que as tarefas possam se realizar rapidamente, elas são subdivididas em múltiplas sub-tarefas compostas por grupos de elementos computacionais que são calculados em paralelo, simultaneamente, em diversos processadores, reduzindo o tempo global de computação.
30. Por cosmologia entende-se o "estudo em larga escala da estrutura e da evolução do Universo" como um todo. (zz ver (SILK88), pg. 1, (PENR93), cap. 7 e (HAWK89))
31. A complexidade de um sistema precisa sempre ser compreendida no contexto onde o sistema se situa. "Um objeto (físico ou intelectual) é complexo se contém informação difícil de se obter." (zz ver (RUEL93), pg. 185). Outrossim "a definição de informação é calcada na de entropia (zz remeter para nota 39) e esta última dá a quantidade de acaso presente num sistema. Porque (...) ao escolhermos uma mensagem dentre toda uma classe de mensagens possíveis, livramo-nos da incerteza ou do acaso presente nessa classe." (zz ver (RUEL93), pg. 181)
É preciso entretanto lembrar que a qualidade e a significação ou o sentido dessa informação não se relaciona com a quantidade de informação presente num dado sistema ou meio. O problema da qualidade e da significação ou do sentido de uma certa quantidade de informação ultrapassam por sua complexidade o seu entendimento como fenômeno físico. A teoria da informação criada por Claude Shannon em 1948 visa "transmitir informação com eficiência", "aplica-se a idealizações e ignora certas características importantes da realidade", no entanto tem importantes implicações práticas e permite-nos abordar o problema da complexidade. (zz ver (RUEL93), pg. 180 e 181)
O físico-matemático Roger Penrose caracteriza a teoria da complexidade como sendo aquela que se ocupa da construção, entendimento e aperfeiçoamento de algoritmos para certa classe de problemas matemáticos denominados "computáveis" ou "tratáveis". Esta teoria "está voltada para as famílias infinitas de problemas onde haveria um algoritmo geral para respostas de todos os problemas de uma mesma família." (zz ver (PENR93), pg. 155)
32. O termo sincronicidade foi cunhado por C. G. Jung juntamente com o físico teórico Wolfgang Pauli para explicar certa classe de fenômenos acausais. Certos fatos muitas vezes aparecem como um acontecimento único e singular e sua significação para o indivíduo pode ser tão importante que parece ser mais do que uma mera coincidência. Tais fatos são conectados pela simultaneidade e pela significação e podem caracterizar interrelacionamentos entre aspectos mentais e materiais do universo. (zz ver (PEAT88), (FRAN85) e (JUNG58))
33. O teorema da incompletude de Göedel nos diz que "se fixamos as regras de inferência e um número qualquer de axiomas, haverá asserções precisamente formuladas sobre as quais não podemos demonstrar nem que são verdadeiras nem que são falsas." (zz ver (RUEL93), pg. 197) Esse teorema mostrou que teorias matemáticas aparentemente simples como a aritmética dos números inteiros possuem uma complexidade cujo alcance não podemos imaginar. (zz ver (RUEL93), pg. 201 e (PENR93), pg. 117 à 119)
O exemplo mais simples de aplicação desse teorema que podemos formular é escolhermos duas teorias matemáticas e considerarmos suas diferentes ferramentas (axiomas, regras de inferências e teoremas) como objetos matemáticos. Ao aplicar recursivamente esses dois objetos matemáticos (ou essas duas ferramentas) a qualquer uma das teoria escolhidas poder-se-á obter resultados totalmente diversos daqueles alcançados caso se utilizasse apenas as ferramentas próprias da teoria em questão. (zz ver (RUEL93), pg. 201 e (PENR93), pg. 117 à 131)
34. Os números binários são números escritos com os caracteres 0 e 1. Em lugar da base 10 do sistema decimal a que estamos acostumados, o sistema binário de numeração possui base 2. Isto quer dizer que no lugar da unidade temos 2 elevado à potência 0 que é 1, no lugar das dezenas temos 2 elevado à potência 1 que é 2, no lugar das centenas temos 2 elevado à potência 2 que é 4, e assim sucessivamente. O valor absoluto do número é dado pela soma das potências de 2: por exemplo o número binário 101 corresponde à 5 (1*2^0 + 0*2^1 + 1*2^2 = 1+ 0 + 4 = 5)
35. Estruturas dissipativas é o nome dado por Ilya Prigogine a certas "instabilidades" existentes na natureza que dissipam energia. São vários os exemplos de estruturas dissipativas (zz ver (RUEL93), (COVE92), (PEAT88) e (PRIG93) pg. 38) que se auto-organizam em determinadas condições:
1. Existem certas colônias de organismos unicelulares independentes ("slime molds") que, em determinadas situações ambientais, diferenciam-se e agregam-se formando um único organismo multicelular mais complexo, podendo voltar novamente à forma de colônia de organismos unicelulares face a outra situação ambiental;
2. Em determinadas situações correntes estáveis de convecção instalam-se na água quente produzindo padrões hexagonais estáveis;
3. Os relógios químicos foram identificados a partir de reações químicas particulares, que se processam em séries, mudando de cor e de padrão a intervalos regulares de tempo. Constituem-se de trilhões de moléculas atuando de modo muito complexo e em uníssono, cada uma parecendo "saber exatamente o que cada uma das outras está fazendo - elas podem 'comunicar-se' uma com as outras." (zz ver (COVE92), pg. 36)
O fenômeno da auto-organização em certos sistemas vem sendo estudado como resultando de flutuações iniciais de comportamentos desordenados ( não lineares) dos componentes do sistema. Esses comportamentos são simultaneamente aleatórios e deterministicamente previsíveis, repercutindo e propagando-se através de todo o sistema. O conceito de caos como algo indiferenciado dá origem ao conceito de caos como algo criador e fecundo a originar as mutações, as inovações e as transformações que caracterizam o processo dinâmico do sistema.
36. Campo físico é a denominação dada a certas fenômenos naturais ondulatórios que são expressos matematicamente como campos vetoriais. Os exemplos mais conhecidos de campos físicos são os campos magnéticos e os campo elétricos. zz ver (PENR93) pg. 205 à 208)
37. Entropia em grego significa evolução (zz ver (PRIG93) pg. 45), em termodinâmica quer dizer "uma espécie de desordem manifesta" (zz ver (PENR93) pg. 343) que permanece constante nos sistemas fechados ou aumenta quando os processos são irreversíveis (zz ver (RUEL93) pg. 147). O "termo 'irreversível' refere-se apenas ao fato de que não foi possível acompanhar, nem controlar, todos os detalhes relevantes dos movimentos das partículas individuais no sistema." (zz ver (PENR93) pg. 343)
38. Ver nota 35.
39. Por arquétipos entende-se certos conjuntos de procedimentos mentais primordiais que povoam a imaginação humana e que possuem caráter geral e universal. Os arquétipos são formados por imagens, motivos ou idéias estampados na mente humana ao longo evolução e que se constelam, num dado momento, representando certas probabilidades psíquicas cujas ocorrências evocam ressonâncias similares na mente da maioria dos indivíduos da espécie (zz ver (JUNG58), pg. XXI e 277).
40. Vida "é aquilo que detém a informação para sua própria reprodução, de modo que vida e auto-reprodução são sinônimos." ver (SANT92a), pg.114).
41. Síntese de imagens ou síntese numérica são a denominações dadas ao processo de geração de uma imagem a partir de um modelo matemático e não da observação.
42. Algoritmo computacional é "uma maneira sistemática de efetuar uma determinada tarefa ou resolver determinado problema", de tal maneira que se possa "chegar a um certo resultado por meio de um número finito de manipulações explicitadas sem ambigüidade". (zz ver (RUEL93), pg. 186)
43. Instrumentos periféricos de imersão e interação:
1. Os óculos estereoscópicos polarizados ou com lentes de cristal líquido ("gogles") possibilitam imersão parcial do usuário, que pode ter a sensação plena da tridimensionalidade do ambiente virtual;
2. Os instrumentos captadores de comando vocal permitem ao usuário dizer os comandos vocalmente;
3. Os dispositivos apontadores com sensores para entrada de dados, digitalizam os gestos e os movimentos dos usuários como por exemplo a caneta ótica o "mouse", o "joystick", o "spaceball" e a tela sensível ao toque ("touch screen");
4. Os dispositivos periféricos para visualização dos dados processados pelo computador, com simultânea captura de novos dados de entrada, possibilitam a imersão desse usuário no ambiente tridimensional virtual. Como exemplo temos:
4.1. Os capacetes com monitores ("head mounted display");
4.2. As roupas com sensores que captam a informação áudio-háptico-visual ("data suit"). Essas roupas possibilitam ao usuário imergir inteiramente no ambiente virtual com o qual ele interage;
4.3. As luvas com sensores digitalizadores de tensão das mãos, que permitem ao usuário sentir a consistência do objeto virtual que pega como por exemplo sua elasticidade, dureza ou aspereza("data gloves") (zz ver (RHEI92) e (PIME93)).
44. A teoria quântica fornece duas interpretações do fato de ter acontecido, na presente configuração física do nosso universo, a coexistência das leis que possibilitam entender a estrutura altamente simétrica que é observada neste universo. Numa dessas interpretações, a organização, a estrutura do universo e a nossa existência nele, decorrem do puro acaso ; na outra, a existência de "seres sensíveis" condiciona e explica a estrutura e a organização do universo. (zz ver (PENR93), pg. 450) Esta última abordagem baseia-se num princípio denominado princípio antrópico.
O princípio antrópico foi formulado para explicar certos fatos observados em experimentos físicos, onde ocorre o fenômeno denominado "sobreposição quântica". Esse fenômeno, ao ser analisado através da teoria quântica que os explica, leva à constatação de que, "tanto pode haver muitos universos diferentes quanto muitas regiões diferentes de um único universo", mas "apenas nos poucos universos semelhantes ao nosso poderiam se desenvolver seres inteligentes". (zz ver (HAWK89), pg. 176)
Stephen Hawking diz ser importante notar que os valores de muitos números fundamentais utilizados na física contemporânea "parecem muito adequadamente ajustados para tornar possível o desenvolvimento da vida". (zz ver (HAWK89), pg. 176)
Roger Penrose fala que pelo princípio antrópico "o universo que realmente observamos e habitamos é escolhido entre todos os universos possíveis, pelo fato de que nós (ou pelo menos alguma forma de criaturas sensíveis) precisamos estar presentes nele para observa-lo!" (zz ver (PENR93), pg. 394)
45. Computação gráfica é o processo de criar, numa tela de computador, uma imagem construída a partir de entidades gráficas como linhas e polígonos, denominadas primitivas geométricas, para construir entidades mais complexas.
46. A VISÃO BINOCULAR ESTÉREO E A SIMULAÇÃO ESTEREOSCÓPICA COMPUTACIONAL (zz aprofundamento de conceitos colocados em "hotwords" acessadas no meio do texto)
As simulações de cenas tridimensionais em computador têm-se proliferado juntamente com as pesquisas sobre a visão humana. Proliferam-se, também, as pesquisas sobre a visão em áreas do conhecimento tão diversas como a neurofisiologia, a psicologia, a fisiologia, a engenharia e a ciência da computação. Os objetivos de tais pesquisas variam. Algumas relacionam-se à procura da compreensão da mecânica dos fenômenos estudados; outras relacionam-se com o desenvolvimento de sistemas eficientes para treinamento (por exemplo as simulações de voos); outras monitoram a telepresença de robos em ambientes inóspitos; outras procuram enriquecer a produção dos jogos e dos dispositivos para o lazer; outras ainda, como é o caso da produção aqui documentada, visam apenas a criação poética de ambientes virtuais com o intuito de explorar improváveis realidades tridimensionais sintetizadas.
Por outro lado, a simulação estereoscópica amplia a capacidade perceptiva humana ao desenvolver a habilidade de imersão parcial em realidades ilusórias que exploram conjuntos de dados processados em computador. Propiciam a observação através de ângulos diversos que podem vir a possibilitar a descoberta de pequenos detalhes, ou até mesmo revelam complexas estruturas, permitindo o estabelecimento de conexões entre dados que dificilmente poderiam ser relacionados, exceto através da vivência visual. O usuário passa de observador para manipulador e subseqüentemente para operador ativo nas simulações computacionais que se constituem em verdadeiras realidades virtuais (zz ver (PIME92) e (RHEI92). No entanto, essa área de pesquisa é ainda, como toda a ciência da computação, muito recente. Muito tem ainda que ser realizado para que a quimera se torne real.
A ampliação do campo visual através da intermediação de instrumentos estereoscópicos induz a sensação de se estar incluído em um lugar, cessando o sentimento de estar-se apenas vendo uma imagem. Os usuários, até então observadores externos, tornam-se participantes imersos na cena que passam a experimentar com mais intensidade (zz ver Bricken in (THAL91)).
As simulações estereoscópicas em computador tornaram-se possíveis à medida que o fenômeno da visão em profundidade passou a ser melhor compreendido. A interpretação das variadas evidências, fornecidas pelas imagens retinianas, vão produzir a sensação de profundidade na cena tridimensional sintetizada. Estas evidências são geralmente agrupadas em cinco características principais que são: (zz ver (WALK86), (LIPT82), (MORG89) e (CAVA85))
1. A variação do ângulo de convergência dos eixos visuais. Os eixos visuais são direções que partem de cada olho, convergindo para um mesmo ponto focal situado no objeto. O eixo visual é uma linha imaginária conectando o objeto com a imagem que dele se forma na retina. No nosso sistema visual o ângulo de convergência é associado com a distância do objeto ao olho do observador. Quanto maior for o ângulo de convergência mais perto de nós o objeto parece estar. As lentes dos olhos projetam duas imagens separadas dos objetos sobre as duas retinas. Estas imagens são fundidas no cortex cerebral e percebidas como um todo. Ao focalizar objetos localizados em diferentes distâncias, as variações produzidas na musculatura dos olhos fornecem informações ao cérebro, possibilitando-lhe determinar a distância entre o observador e os objetos observados. O processamento, pelo cérebro, da informação coletada pela retina é um fenômeno incrivelmente complexo;
2. A acomodação da córnea é o fenômeno de mudança na forma das lentes que formam a córnea. Ela nos permite focar objetos em distâncias diferentes, fazendo com que eles sejam projetados em diferentes regiões da retina;
3. A disparidade retiniana ou paralaxe binocular é a diferença relativa entre as posições dos objetos projetados nas retinas. As células cerebrais são ativadas em função da disparidade retiniana. O sistema olho-cérebro procura colocar o ponto focal do objeto na porção central da retina - a fóvea - que é a área de maior acuidade visual. A convergência dos olhos sobre um objeto no espaço cria a sensação de unicidade do objeto focado. Todos os demais objetos, situados na frente ou atrás do objeto em questão, são duplicados, embora tal duplicação não interfira na sensação de unidade percebida. Ao olharmos um objeto, em uma cena, suas projeções vão situar-se em diferentes partes da retina. A disparidade retiniana vai depender da relação entre a distância em que se encontra o objeto e a distância entre as pupilas dos olhos, geralmente chamada de distância pupilar ou inter-axial. (zz Esta distância é de aproximadamente 6,5 cm para os homens e de 6,3 cm para as mulheres.)
No caso das simulações estereoscópicas, em computador, a definição dos parâmetros necessários para o cálculo do par estéreo, depende da distância inter-axial considerada em relação com a distância ao centro da cena observada, determinando, conseqüentemente, a disparidade existente entre as duas imagens que se projetam sobre a retina. Assim, ao manipular-se esta relação, produz-se a sensação de maior ou menor proximidade do objeto simulado;
4. A paralaxe do movimento é o movimento relativo entre os objetos próximos e os distantes dentro do campo visual. Podemos observar tal movimento quando nos movemos dentro de uma cena, ou quando os objetos se movem relativamente à nossa posição, ou ainda quando as duas situações ocorrem concomitantemente;
5. As evidências pictóricas são as informações sobre a profundidade de uma dada cena que podem ser encontradas nas representações bidimensionais. São elas:
5.1. As retas paralelas convergem quando são vistas em perspectiva;
5.2. Os objetos mais distantes podem ser ocluídos pelos mais próximos que a eles se sobrepõem;
5.3. O tamanho aparente de objetos iguais varia em função de sua localização numa dada cena (perspectiva linear);
5.4. O sombreamento das superfícies varia em razão da forma do objeto que as contém e das luzes que o modelam. Esse sombreamento permite-nos atribuir características como solidez, transparência, rugosidade ou esfericidade aos objetos;
5.5. A luz e as sombras projetadas pelos objetos, quando estes são iluminados, ampliam o efeito de profundidade da cena;
5.6. O relacionamento entre o modo como os objetos preenchem o espaço e sua relação com o espaço que os intermedeia ou circunda cria a atmosfera da cena;
5.7. O gradiente ou densidade das texturas das superfícies visuais criam referências, para o observador, facilitando a percepção de sua profundidade (zz ver Gibson em (GIBS56)).
Embora a visão em profundidade ou binocular seja uma maneira complexa de perceber a profundidade dos objetos, ela depende de variados efeitos, para criar a impressão visual de imersão na cena observada. O processo perceptual resulta do entrelaçamento das diversas evidências que interagem, contribuindo para a formação da simulação estereoscópica na mente. A visão em profundidade nos permite distinguir entre frente e fundo, detectar a camuflagem de outros animais e parece ter sido, segundo alguns cientistas, um dos fatores essenciais na evolução do intelecto humano (zz ver Palyak em (LIPT82)).
Quando se trabalha com simulações estereoscópicas sintetizadas é preciso tornar claro alguns conceitos básicos. O conceito de campo visual é aqui entendido como sendo a região limitada do espaço tridimensional onde acontecem as simulações. Enquanto o espaço visual do mundo que nos rodeia existe extensamente em todas as direções, nas simulações computacionais o campo visual é definido pelo aplicativo com que se trabalha. Ele é limitado, é enquadrado e obedece às leis da perspectiva. Para simular uma cena é preciso definir precisamente os parâmetros que definem o campo visual, tais como: a posição do observador, a distância entre observador e o centro da cena, a separação inter-axial dos olhos, o ângulo de abertura que define o campo de visão, os vetores globais de orientação e os vetores direcionadores do olhar do observador.
Ao enfocar as simulações estereoscópicas em computador é preciso compreender, também, alguns dos aspectos computacionais relacionados com a visão binocular estéreo. Richard Wilds descreve a situação física das principais pesquisas em visão binocular computacional como resultando de um arranjo de objetos em uma cena tridimensional que será projetada, diferencialmente, num par de imagens bidimensionais. (zz ver (LEIB90)) Para entender o processamento da visão estéreo é preciso compreender como o mapeamento inverso, de tal situação, pode ocorrer. Isto é, dado um par de duas projeções bidimensionais de uma cena tridimensional, é possível recompor a percepção experimentada pelo observador, como se este vivesse a cena no mundo real, por mais improvável que esta cena possa parecer. Em tal caso é possível explorar a geometria da cena, recuperando suas propriedades úteis.
Para se desenvolver algoritmos e implementações para simulações estereoscópicas Richard Wildes subdividiu o problema em três partes relativamente independentes: a primeira relaciona-se com a seleção das peculiaridades que caracterizam as duas projeções; a segunda relaciona-se com as correspondências entre as duas projeções; e a terceira relaciona-se com a interpretação dada às disparidades existentes nas duas projeções.
A seleção de peculiaridades lida com o isolamento de elementos numa imagem binocular, de modo que possam servir como primitivas geométricas confiáveis para a comparação das duas imagens. A correspondência lida com a adequação entre as duas projeções que resultam de um mesmo objeto da cena tridimensional. A interpretação da disparidade lida com a maneira como a disparidade pode ser mapeada em conjuntos descritivos. A disparidade existente entre os elementos correspondentes, que ocorrem na configuração estudada, é útil para definir a geometria tridimensional da cena. Ela permite a adequação das peculiaridades das imagens binoculares, possibilitando estabelecer-se correspondências que permitam nelas identificar um mesmo ponto do objeto tridimensional.
Sobre tal base teórica inúmeros algoritmos e implementações tem-se desenvolvido recentemente. Rogers & Cagenello descobriram que o observador humano é capaz de discriminar diferenças mínimas de curvatura das superfícies. (zz ver (MORG83) e (FRIS90)) Formularam então um algoritmo capaz de computar a disparidade das curvaturas em superfícies. Harry Voorhees & Tomas Poggio do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT (zz ver (POGG88)) formularam o conceito de "textons" para caracterizar os elementos de textura. Após estudar como as texturas são discriminadas pelo sistema cognitivo humano, eles criaram um algoritmo que estabelece um método para a definição dos limites das representações de imagens naturais. Eles computam os textons discretos, definindo os contornos de superfícies texturadas, como por exemplo o couro de alguns animais, as cascas de algumas frutas, os diferentes tipos de tecidos, entre outros.
Os algoritmos que possibilitam a simulação estereoscópica computacional sucedem-se e complementam-se. Eles oganizam-se num sistema muito complexo cuja análise foge dos objetivos deste documento Foram aqui abordados apenas para dar uma visão sumária dos aspectos técnicos e científicos envolvidos nas simulações realizadas.
BIBLIOGRAFIA:
(ABBO91)
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AGRADECIMENTOS:
Co-orientação em Washington durante a realização de bolsa sanduiche:
professor James Hahn
Músicas:
Anselmo Guerra de Almeida
Ruggero Rusccioni
Apoio para organização do trabalho na INTERNET (WorldWideWeb):
Rodrigo de Almeida Siqueira
Conversões de Imagens:
Eduardo Toledo
Incentivo e Ajuda para a Produção:
Marcelo Zuffo
Roseli de Deus Lopes
Silvia Delgado Olabarriaga
Apoio Técnico:
Thaís Abujamra Ferreira
Armin Mittlesdorf
Edson Volnys Bernão
Tradução para o ingles:
Andrea Fraga da Silva
Instituições:
CAPES-MEC
Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP)
Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo
Núcleo de linguagens Visuais da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP)
Universidade de Brasília (UnB)
Departamento de Ciência da Computação da "The George Washington University"
Empresas:
Dedalus Sistemas
Vídeo Jornal Produções
Outros:
A todos aqueles que direta ou indiretamente ajudaram na realização do trabalho.